Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Estamos conhecendo novos super-heróis com os profissionais da saúde

Eles e trabalhadores essenciais arriscam a vida por nós, e alguns usam máscara ou têm de fazer bicos

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Tanto os álbuns de quadrinhos como os filmes têm omitido os aspectos mais comezinhos da vida privada dos super-heróis, fenômeno que levanta uma questão perturbadora: se o prestígio do Homem-Aranha não resiste à possibilidade de o vermos a estender a roupa, quão super é o herói?

Outro problema: se podemos assistir a derrotas do Batman, e até à sua morte, mas não podemos vê-lo comprar detergente para a louça, isso não significa que existe, no ato de comprar detergente para a louça, qualquer coisa de transcendente, que supera até a própria morte? Em resumo: um colosso que não aguenta ser visto aspirar o quarto é colossal?

Ilustração de um profissional da saúde consolando o outro que está agachado no chão. Há a frase "Sempre que puder fique em casa"
Luiza Pannunzio/Folhapress

Gosto de ver o Super-Homem a evitar que um comboio descarrile, mas creio que seria mais interessante vê-lo comprar roupa. “Tem aquelas botas vermelhas até ao joelho em 44?”, perguntaria ele na sapataria. “Já vi que o meu amigo pratica a arte transformista”, responderia o funcionário. “O meu primo também. Talvez o conheça. O nome artístico dele é Natacha Kristall.” Que reação teria Clark Kent? Nunca o saberemos.

Felizmente, estamos agora a conhecer novos super-heróis. São os profissionais de saúde, os funcionários de supermercado, os agentes das forças de segurança, as pessoas que fazem a recolha do lixo.

Que são super-heróis, parece-me evidente: todos arriscam a vida por nós, alguns usam máscara, outros têm de fazer bicos porque o trabalho de super-herói não paga o suficiente (como o Homem-Aranha e o Super-Homem, que, certamente por estarem desesperados, tiveram de arranjar emprego no mundo do jornalismo).

Ao contrário dos outros, esses super-heróis não escondem a vida cotidiana. Sabemos que têm más condições de trabalho, precisam improvisar material de segurança, tomam medidas para não pôr em perigo a saúde dos familiares. E, mesmo assim, recebem a nossa admiração e aplauso (até porque não recebem muito mais. Dinheiro, por exemplo, recebem pouco). Eles, sim, são heróis que resistem a tudo.

A reputação do Batman não ficaria intacta se ele improvisasse uma máscara com óculos escuros, fizesse uma capa a partir de sacos do lixo, ou se o víssemos a despir-se todo, antes de entrar na mansão, para diminuir as hipóteses de contagiar o seu mordomo —até porque o Alfred pertence ao grupo de risco. Os nossos super-heróis são mais super.

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