Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ricardo Araújo Pereira

Tentei meditar, me aborreci com tanta paz e só tinham passado 48 segundos

Quando devo parar de inspirar? E que parte do corpo deve mover-se, quando respiramos? O peito ou a barriga?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Procurando fazer à mente o que desligar e voltar a ligar faz aos computadores, resolvi experimentar a meditação.

Escolhi um vídeo do YouTube que prometia meditação guiada durante 15 minutos. Pareceu-me bom, para começar. Sentei-me, liguei o vídeo no celular e fechei os olhos. Com uma música calma em fundo, a voz suave de uma moça começou a dizer-me o que fazer. Eu devia concentrar-me na minha própria respiração. A proposta dela era que eu inspirasse (em primeiro lugar) e expirasse (a seguir).

Não tendo objeções a fazer, cumpri o que me era pedido. Acontece que, quando pensamos nas ações que costumamos efetuar sem pensar, deixamos de saber fazê-las. Eu sei andar, é claro, mas se me puser a pensar nisso atrapalho-me. As mãos balouçam ao ritmo do pé do lado contrário ou do mesmo?

Com a respiração é o mesmo. Quando devo parar de inspirar? Sinto que já inspirei tudo, mas, ao mesmo tempo, parece-me que, se eu quiser, ainda cabe ar nos pulmões. E que parte do corpo deve mover-se, quando respiramos? O peito ou a barriga? Ambos os métodos funcionam.

E esses pensamentos estavam a impedir-me de me concentrar no ritmo apaziguador da minha respiração.

Ocorreu-me então que o ato de buscar tranquilidade nos deve causar sobressalto. Um sinal de saúde seria procurarmos vídeos que tivessem o propósito de nos enervar. Só tem necessidade de se acalmar quem está agitado. É uma diligência própria de quem está consigo mesmo em guerra.

Lembrei-me de ter lido essa frase algures no “Livro do Desassossego”: consigo mesmo em guerra. E de ter pensado que, no meu caso, ela me descreve se acrescentarmos uma vírgula: consigo, mesmo em
guerra. Vou sendo capaz de funcionar, apesar da turbulência.

Entretanto, tinha deixado de ouvir as indicações da moça (embora milagrosamente continuasse a respirar) e a musiquinha calmante começou a irritar-me. Pouco a pouco, fui ficando um pouco inquieto e decidi que já tinha meditado o suficiente. O vídeo ainda não tinha acabado, mas eu já estava até um pouco aborrecido com tanta paz de espírito. Abri os olhos e desliguei o vídeo.

Tinham passado 48 segundos.

Ilustração de uma pessoa sentada no chão na frente de uma janela. Ela está com as palmas das mãos juntas na frente do peito e as pernas cruzadas, como se estivesse meditando. Um gato está na frente da pessoa
Luiza Pannunzio/Folhapress

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.