Um amigo escreve qualquer coisa sentimental no Facebook e apertamos o botão do coração. A mãe faz anos e compramos uma caixa de chocolates em forma de coração. Alguém se apaixona e recorta na casca de uma árvore um coração.
Ora, se não se importam, parece-me que o coração tem um prestígio totalmente injustificado. Sei que estou a pôr em causa toda a indústria de cartões de aniversário, mas nunca tive medo de dizer aos poderosos aquilo que eles não querem ouvir, e não é agora que vou começar.
O coração é uma bomba hidráulica, gente. Uma aborrecida, burocrática, fabril bomba hidráulica. Suga
sangue por um lado, esguicha sangue pelo outro. Não sente nada. Não ama coisa nenhuma. É um músculo.
Além do mais, é horrível. Tão feio que, para lhe melhorar a imagem, alguém resolveu desenhar a versão estilizada que hoje conhecemos, e que é em tudo igual ao traseiro de um babuíno. Notem bem: trata-se de um órgão tão grotesco que assemelhá-lo ao traseiro de um babuíno foi um favor que lhe fizeram.
No entanto, o coração exerce sobre as pessoas um fascínio incompreensível. Sobretudo em comparação com o cérebro, que tem muita má fama. O coração é puro, o cérebro é diabólico.
Às vezes, alguém diz “agora eu vou falar do coração”, como se fosse uma coisa boa. Respondo sempre: “Não, obrigado. Fala do cérebro, que prefiro”.
Falar do coração, normalmente, significa exprimir sentimentos inalterados pelo raciocínio. Ou seja, é dizer
coisas sem pensar. É uma opção muito usada por quem deveria ter preparado um discurso, mas não se deu ao trabalho. Transforma a preguiça e a falta de consideração em honestidade e franqueza (uma operação bastante indecente que o coração sempre patrocina) e fala de improviso.
Eu desconfio demasiado dos meus sentimentos para os expor dessa maneira. De vez em quando sinto coisas que, pensando bem, são absurdas.
Mas é curioso que o coração nunca tem culpa. Há sempre alguém que descobre uma maneira de pôr a culpa dos sentimentos desagradáveis no cérebro. “Sim, ele disse isso, mas estava de cabeça quente.” O coração é sempre puro.
Lamento, mas comigo não contem para essa mistificação. E eu sei o que digo, porque são palavras que vêm do fundo do meu pâncreas.
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