Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Bolsonaro despreza a ciência, e a ciência despreza Bolsonaro

A conjectura de presidente introduz uma lógica que o conhecimento é incapaz de compreender

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Eu sei que o ex-ex-ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta acusou Bolsonaro de desprezar a ciência. Mas calma. Não será justo assinalar que a ciência também despreza Bolsonaro?

Ouvindo Mandetta, parece que há uma má vontade do presidente em relação à ciência quando a antipatia é, obviamente, mútua. E creio que foi a ciência que começou. Desde o início que a ciência, enquanto corpo de saber organizado e verificável, tem afrontado Bolsonaro com características tais como a lógica, o rigor ou o apego aos fatos.

Quando Bolsonaro quis incluir, na bula da cloroquina, a informação de que o medicamento seria indicado para a Covid-19, tal não foi permitido, presumivelmente pela ciência. Ora, é muito simples: a bula do Ben-u-ron inclui a nota de que o remédio é indicado para dores de cabeça, e as pessoas usam Ben-u-ron, com êxito, contra as dores de cabeça.

Se a bula da cloroquina incluísse a nota de que o remédio era indicado para a Covid-19, as pessoas usariam a cloroquina, com êxito, contra a Covid-19. Um raciocínio límpido desses só pode ter sido refutado por embirração.

Em resposta a Mandetta, Bolsonaro usou outro argumento difícil de contestar. "Quando tenho problema de estômago, alguém sabe o que eu tomo? Tomo Coca-Cola e fico bom, é problema meu. O bucho é meu. Talvez o meu bucho, todo corroído pela Coca-Cola, me salvou da facada do Adélio."

É uma hipótese interessante --e uma que os cientistas, por preguiça ou burrice, não colocaram. Normalmente, a ciência considera que uma coisa má é má. É uma estranha ortodoxia, mas não há nada a fazer.

Dou um exemplo: que um estômago esteja corroído costuma ser entendido como um mau sinal. Entre um bucho corroído e um bucho não corroído, a ciência opta geralmente por apontar o que está corroído como o pior, o menos resistente, o menos saudável.

Mas a conjectura de Bolsonaro introduz uma nova lógica que o pensamento científico é incapaz de compreender. Uma facada num bucho saudável causa dano; uma facada num bucho corroído pode ser uma lufada de ar fresco. Adélio pretendia ferir um bucho bom, acabou melhorando um bucho corroído. Fez figura de bobo. Não leu a bula da Coca-Cola.

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