A internet e o celular são prodígios tecnológicos, claro. Mas talvez o grande fenômeno social e cultural que pude testemunhar no meu tempo de vida tenha sido este: a fruta, agora, tem etiquetas.
Eu ainda sou do tempo em que havia apenas dois cuidados a ter com a fruta: lavar ou descascar. Desrotular é uma preocupação contemporânea. "Lavaste essa maçã, Carlinhos?", perguntavam as mães do século 20. "Lavaste e desetiquetaste essa maçã, Carlinhos?", perguntam as mães do século 21.
Por outro lado, o fenômeno alargou o mercado de trabalho, gerando as profissões de designer de etiquetas de fruta, fabricante de etiquetas de fruta e etiquetador de fruta.
Um analista incompetente terminaria aqui o seu exame ao fenômeno das etiquetas da fruta. Não é o nosso caso. Há que ir mais além e perceber todas as implicações sociológicas da etiquetagem hortifrutícola.
Em primeiro lugar, a colocação de rótulos na fruta criou um fato social que estava por identificar até agora: o esnobismo da fruta. Criança que, no recreio da escola, merende uma maçã desprovida de rótulo passa a ser ostracizada pelos colegas que só consomem fruta de marca.
Em segundo lugar, a rotulagem das frutas atrai um grupo social incômodo: os colecionadores. Onde houver etiquetas, há colecionismo. Se julgam que estou a inventar, têm bom remédio: uma fácil e rápida pesquisa na internet revelará vários fóruns de colecionadores de rótulos de fruta, com indicações úteis acerca do melhor modo de recolher, catalogar e trocar etiquetas, incluindo dicas práticas sobre o furto de etiquetas na zona dos frescos dos supermercados.
Há numismatas sem dinheiro para investir em moedas que aplicam os seus conhecimentos em coleções de rótulos de fruta e filatelistas falidos que trocam os selos pelas etiquetas em álbuns que podem ser menos valiosos mas são tratados com o mesmo esmero.
A inflação aumenta e a realidade que conhecemos pode mudar drasticamente. Mas há quem ponha etiquetas na fruta e quem recolha as etiquetas para colecioná-las.
Só não se percebe se isso é um indício de que temos salvação ou mais um sinal de que o mundo está mesmo para acabar.
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