Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu inflação

Colocação de rótulos criou fóruns de colecionadores de etiqueta de fruta

Uma fácil e rápida pesquisa na internet revelará dicas práticas sobre furto de etiquetas nos supermercados

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A internet e o celular são prodígios tecnológicos, claro. Mas talvez o grande fenômeno social e cultural que pude testemunhar no meu tempo de vida tenha sido este: a fruta, agora, tem etiquetas.

Eu ainda sou do tempo em que havia apenas dois cuidados a ter com a fruta: lavar ou descascar. Desrotular é uma preocupação contemporânea. "Lavaste essa maçã, Carlinhos?", perguntavam as mães do século 20. "Lavaste e desetiquetaste essa maçã, Carlinhos?", perguntam as mães do século 21.

Por outro lado, o fenômeno alargou o mercado de trabalho, gerando as profissões de designer de etiquetas de fruta, fabricante de etiquetas de fruta e etiquetador de fruta.

No desenho de Luiza Pannunzio, um homem branco vestindo calça e camisa social - com uma caneta Bic no bolso dela, gravata, cinto e tênis - faz malabares com sete frutas que juntas formam um círculo acima de sua cabeça. Dispostas nesta ordem: do impulso da mão esquerda ergue-se uma tangerina, seguido de um limão, abacaxi, maçã, laranja, banana e por fim uma pêra que já está na mão direita do personagem. Todas as frutas tem uma pequena etiqueta redonda com um X no meio. São frutas marcadas.
Luiza Pannunzio

Um analista incompetente terminaria aqui o seu exame ao fenômeno das etiquetas da fruta. Não é o nosso caso. Há que ir mais além e perceber todas as implicações sociológicas da etiquetagem hortifrutícola.

Em primeiro lugar, a colocação de rótulos na fruta criou um fato social que estava por identificar até agora: o esnobismo da fruta. Criança que, no recreio da escola, merende uma maçã desprovida de rótulo passa a ser ostracizada pelos colegas que só consomem fruta de marca.

Em segundo lugar, a rotulagem das frutas atrai um grupo social incômodo: os colecionadores. Onde houver etiquetas, há colecionismo. Se julgam que estou a inventar, têm bom remédio: uma fácil e rápida pesquisa na internet revelará vários fóruns de colecionadores de rótulos de fruta, com indicações úteis acerca do melhor modo de recolher, catalogar e trocar etiquetas, incluindo dicas práticas sobre o furto de etiquetas na zona dos frescos dos supermercados.

Há numismatas sem dinheiro para investir em moedas que aplicam os seus conhecimentos em coleções de rótulos de fruta e filatelistas falidos que trocam os selos pelas etiquetas em álbuns que podem ser menos valiosos mas são tratados com o mesmo esmero.

A inflação aumenta e a realidade que conhecemos pode mudar drasticamente. Mas há quem ponha etiquetas na fruta e quem recolha as etiquetas para colecioná-las.

Só não se percebe se isso é um indício de que temos salvação ou mais um sinal de que o mundo está mesmo para acabar.

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