O governo brasileiro requereu a Portugal que, no âmbito das comemorações dos 200 anos da independência, enviasse para o Brasil o coração de dom Pedro —que, por uma razão que me escapa, está preservado num frasco de formol, guardado numa igreja da cidade do Porto.
O pedido tem o seu quê de bizarro, até porque, ainda esta semana, o atual presidente de Portugal visitou o Brasil e, apesar de estar na posse de todos os seus órgãos vitais, não foi recebido por Bolsonaro. Chefe de Estado português bom é chefe de Estado português morto, parece considerar o Planalto.
A confirmar-se a trasladação, será uma operação histórica, até porque se trata da primeira vez que um órgão é traficado entre países sem a intervenção de uma máfia russa. Imagino que a miudeza real vá ser exposta e contemplada no Brasil, o que me parece sinceramente ficar aquém da importância da data.
Uma celebração competente do bicentenário da independência devia incluir, além do coração de dom Pedro, um rim de José Bonifácio, o pâncreas de Thomas Cochrane, o fígado de Cipriano Barata e, talvez para dar um toque de ironia à cerimônia, um dente do Tiradentes. Creio que, com esse rodízio de vísceras heroicas, ficaria a efeméride mais bem assinalada.
Se eu mandasse, no entanto, o lugar de honra pertenceria não ao coração mas sim ao estômago de dom Pedro. Tendo o monarca morrido há 188 anos, o seu estômago estará completamente vazio, o que constituiria apropriada homenagem aos estômagos de parte considerável dos brasileiros de hoje. Por outro lado, se o objetivo é fazer com que os restos mortais de dom Pedro desfilem ao lado de Bolsonaro, talvez o órgão mais apropriado fosse o intestino.
Seja como for, o coração de dom Pedro será transportado para o Brasil com extremo cuidado, em ambiente pressurizado, trabalho que se pouparia se as autoridades brasileiras exibissem em Brasília um bom frasco de picles. O efeito seria praticamente o mesmo, e, no fim, a relíquia ainda poderia enriquecer o banquete. Fica a ideia.
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