Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Para honrar Bolsonaro, tragam o intestino de dom Pedro 1º, não seu coração

Com rim de José Bonifácio e um dente de Tiradentes, bicentenário da independência ficaria mais bem assinalado

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O governo brasileiro requereu a Portugal que, no âmbito das comemorações dos 200 anos da independência, enviasse para o Brasil o coração de dom Pedro —que, por uma razão que me escapa, está preservado num frasco de formol, guardado numa igreja da cidade do Porto.

O pedido tem o seu quê de bizarro, até porque, ainda esta semana, o atual presidente de Portugal visitou o Brasil e, apesar de estar na posse de todos os seus órgãos vitais, não foi recebido por Bolsonaro. Chefe de Estado português bom é chefe de Estado português morto, parece considerar o Planalto.

No desenho de Luiza Pannunzio há um coração ao centro, sustentado pelo equilíbrio das forças opostas dos braços brancos que vemos nas duas pontas do espaço retangular, vertical destinado a esta ilustração. Braços de cima e de baixo, empurram através de dois fios um coração morto há quase duzentos anos - como quem brinca com aquele brinquedo vai e vem que faz parte das memórias de infância da gente. Há uma mancha vermelha bem em cima do coração. E também a frase "VAI E VEM mórbido" que faz movimentar o olhar do leitor.
Publicada neste sábado, 9 de julho de 2022 - Luiza Pannunzio

A confirmar-se a trasladação, será uma operação histórica, até porque se trata da primeira vez que um órgão é traficado entre países sem a intervenção de uma máfia russa. Imagino que a miudeza real vá ser exposta e contemplada no Brasil, o que me parece sinceramente ficar aquém da importância da data.

Uma celebração competente do bicentenário da independência devia incluir, além do coração de dom Pedro, um rim de José Bonifácio, o pâncreas de Thomas Cochrane, o fígado de Cipriano Barata e, talvez para dar um toque de ironia à cerimônia, um dente do Tiradentes. Creio que, com esse rodízio de vísceras heroicas, ficaria a efeméride mais bem assinalada.

Se eu mandasse, no entanto, o lugar de honra pertenceria não ao coração mas sim ao estômago de dom Pedro. Tendo o monarca morrido há 188 anos, o seu estômago estará completamente vazio, o que constituiria apropriada homenagem aos estômagos de parte considerável dos brasileiros de hoje. Por outro lado, se o objetivo é fazer com que os restos mortais de dom Pedro desfilem ao lado de Bolsonaro, talvez o órgão mais apropriado fosse o intestino.

Seja como for, o coração de dom Pedro será transportado para o Brasil com extremo cuidado, em ambiente pressurizado, trabalho que se pouparia se as autoridades brasileiras exibissem em Brasília um bom frasco de picles. O efeito seria praticamente o mesmo, e, no fim, a relíquia ainda poderia enriquecer o banquete. Fica a ideia.

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