Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu internet

Era previsível que o vício em redes tivesse o polegar como protagonista

É interessante que um simples dedo nos tenha dado uma vantagem extraordinária sobre os outros animais

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Não me admira que se chame à internet o "mundo digital", porque é com os dedos que a gente navega nele. Especialmente com o polegar.

O polegar desempenhou papel importante na evolução da raça humana, mas pode agora ser decisivo no seu retrocesso. É interessante que um simples dedo nos tenha dado uma vantagem extraordinária sobre os outros animais, porque nos permitiu agarrar tudo —e esteja neste momento dedicado a agarrar uma única coisa.

Na verdade, nem agarra: esfrega. Por todo o lado, seres humanos passam horas a esfregar o polegar nas telas dos seus celulares. Uma imagem, um texto ou um vídeo aparecem no celular e o polegar esfrega para cima.

Algumas vezes o polegar é mais calmo, outras é mais impaciente, mas ele mantém sempre a mesma obstinação de descobrir mais e mais imagens, textos e vídeos.

O polegar é um ditador insaciável. Se não gosta do vídeo, esfrega para cima para ver outro; se ele gosta, esfrega para cima para ver outro.

No desenho de LP - a impressão de um polegar é o corpo de um pequeno ditador cujo cabelo e bigode lembram os de Hitler. Os braços desse polegar estão de camisa preta e estão para cima - uma das mãos faz jóinha e a outra arminha. Há pequenas setas que chama atenção às mãos dele. Já as pernas, vestidas de preto e botinas de amarrar - estão posicionadas ao centro de um botão redondo. Ao lado do personagem está escrito PEQUENO DITADOR.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 14 de janeiro de 2024 - Folhapress

Só por distração, não reparamos que o polegar ocupou sempre um lugar central no nosso lazer e foi uma constante fonte de entretenimento. Quando pequenos, chupávamos o polegar para obter consolo, e em adultos continuamos a obter consolo através dele.

A diferença é que, usando o método antigo, acabávamos por adormecer. Usando o método novo não conseguimos dormir: a luz do celular não deixa. Talvez tenhamos de tirar o polegar do celular e voltar a metê-lo na boca.

Devíamos ter adivinhado. A etimologia bem avisou. A palavra empolgado —que significa arrebatado, excitado, entusiasmado— partilha a raiz etimológica com a palavra polegar. Empolgar é agarrar com o polegar. Quem fica empolgado com alguma coisa fica preso —preso pelo polegar.

Era previsível que o empolgante vício de ver o que se passa nas redes fosse protagonizado pelo polegar. Mas é um vício impossível de satisfazer.

O polegar está sempre à procura de outras coisas. As que tem à disposição não são suficientemente interessantes, mas ele acredita que vai encontrar aquilo que procura, embora não saiba exatamente o que é.

O imperador romano podia arruinar a vida de um gladiador apontando o seu polegar para baixo. Nós vamos arruinando a nossa própria vida esfregando o polegar para cima. Um vídeo de cada vez.

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