No país que o próprio hino nacional descreve como a "terra dos livres", um candidato a presidente disse que, se for eleito, não pensa em se transformar em um ditador, exceto no primeiro dia do seu mandato.
Donald Trump não tem participado dos debates das primárias republicanas porque os considera "uma perda de tempo". Em resumo, portanto, é um candidato que considera inútil o debate democrático e que jura nunca ser ditador, com exceção de um único dia.
Ora, essa promessa, que pretende ser tranquilizadora, acaba por ser ligeiramente inquietante. Não ser ditador exceto por um dia é um compromisso da mesma ordem de "serei vegetariano, exceto no tocante à picanha", ou "serei sempre virgem, exceto aos domingos".
É o equivalente a um cozinheiro nos dizer: "Fiz o bolo usando só um pouquinho de cianeto". Ou um piloto de aviões avisar: "Não se preocupem porque fiz o curso todo, só faltei às aulas de aterrissagem".
Em 2017, em um comício, em Nova York, o cineasta Michael Moore disse que Trump era "afetado pela comédia". Dirigindo-se à plateia, apelou: "Se vocês zombarem dele, se o ridicularizarem ou simplesmente mostrarem que ele não é popular... Estou a dizer, meus amigos, que é assim que ele vai implodir. Esse é o seu calcanhar de Aquiles. Todos aqui têm senso de humor. Usem-no. Participem da zombaria e da sátira contra o rei que vai nu. Vamos formar um exército de comédia e derrubá-lo-emos".
Não sei se estiveram atentos ao que se passou a seguir, mas a comédia não derrubou Donald Trump, que governou, imperturbável, até o fim do mandato. Seria aliás um pouco estranho que o povo, democraticamente, elegesse um presidente para depois um grupo de comediantes conseguir derrubá-lo do cargo.
Tenho muito apreço pela comédia, mas não gostaria de viver nessa hipotética e francamente bizarra comediocracia. O que derrubou Trump foram novas eleições, que é como as coisas costumam funcionar nas democracias.
Nas próximas votações para presidente, os americanos terão de decidir se querem eleger democraticamente um candidato que promete ser ditador. E eleger democraticamente um ditador é uma opção parecida com a de contratar o Diabo para rezar a missa, que é uma decisão das mais cômicas.
Nesse sentido, curiosamente, a comédia não derruba Donald Trump. Ela o elege.
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