Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu internet

O incel e o 'inpé': um estudo

Na vida real, nenhuma moça deseja conviver intimamente com eles

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Bem sei que sou demasiado novo para usar com tanta frequência a expressão "no meu tempo isto não era assim", mas no meu tempo isto não era assim. Não havia incel. O incel é uma invenção moderna. Quer dizer celibatário involuntário.

São jovens que gostariam muito de não ser celibatários, mas nenhuma mulher se interessa por eles. No meu tempo, a gente chamava a esse tipo de pessoa "adolescente". A diferença para o incel é que o adolescente sabia, ou pelo menos tinha a forte desconfiança de que a situação em que se encontrava era da sua exclusiva responsabilidade. Nenhuma mulher se interessava por ele porque ele não era interessante. E ele fazia todos os esforços para corrigir essa falha.

Mas o incel acredita que a culpa de nenhuma mulher se interessar por ele é do sexo feminino inteiro —que, por isso, odeia. Há vários problemas neste raciocínio. Suponhamos que um jovem gostaria de ser milionário. Para sua infelicidade, não consegue, e continua a ser um pé rapado. É um pé rapado involuntário. Um "inpé". Em princípio, ele não passa a odiar o dinheiro. Compreende que não tem um direito natural à riqueza. Que terá de se esforçar para a obter. Ou herdar.

Na imagem, dois homens brancos e vestidos de calça, casaco, blusa, meias e tênis estão sentados um ao lado do outro em cadeiras diferentes. O homem da direita, está sentado numa cadeira aparentemente simples, dessas que abre e fecha-  ele usa óculos e tem bigode. Está com as pernas elevadas sobre o acento, apoiando os braços sobre os joelhos e a mão direita sobre o queixo, segurando a cabeça que encara o leitor. O outro homem à esquerda, sentado numa cadeira mais robusta com estofado e encosto,  mantém os pés no chão, as mãos juntas à frente do corpo, cotovelos apoiados nos joelhos, também olha ao leitor que além dessas duas figuras lê: INCEL - involuntary celibates de um canto a outro no mesmo espaço do desenho.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 1º de setembro de 2024 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Eu culpo a internet. Creio, aliás, que a culpa de quase tudo é da internet. No caso dos incel, o problema é o acesso à pornografia. No meu tempo, os adolescentes quase não tinham contato com pornografia. Por vezes, um colega da escola conseguia uma revista, de um irmão mais velho, e todo o mundo se reunia para examinar o objeto. Já lhe faltavam páginas e não se conseguia muito mais do que deitar à revista um olhar furtivo, antes que um adulto aparecesse. Hoje os jovens têm acesso a toda a pornografia do mundo.

Assistem a filmes em que uma moça leva o carro à oficina e não resiste a conviver com o mecânico. Ou está em casa e não resiste a conviver com um amigo do seu pai. Ou está na biblioteca e não resiste a conviver com o bibliotecário. Ora, a experiência dos incel, que são parecidos com um bibliotecário, é diferente.

Na vida real, nenhuma moça deseja conviver intimamente com eles. Em vez de suspeitarem que talvez os filmes retratem uma realidade que não existe, decidem que é a realidade que tem um problema. Por alguma razão que, ao que tudo indica, faz parte de uma conspiração global, as mulheres desejam conviver intimamente com todo o mundo, menos com eles.

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