Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Perigo: mulher rindo

Apesar de Donald Trump ser um homem forte, eu nunca o vi rir, ele não arrisca

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"Os homens têm medo que as mulheres se riam deles; as mulheres têm medo que os homens as matem." Esta frase, normalmente atribuída a Margaret Atwood, é a sua própria demonstração prática. Ela é proferida por uma mulher que está a arriscar rir dos homens. E tem uma grande vantagem pedagógica —ridiculariza o medo de ser ridicularizado.

Estabelece uma distinção clara entre um ato de violência física e o ato de rir de alguém. Fazer isso é, hoje, prestar um serviço importante. Escuso de lembrar o episódio em que Chris Rock foi agredido por fazer uma piada, e a quantidade de gente que achou normal, e até apropriada, a resposta violenta de Will Smith a um conjunto de palavras.

No desenho - vemos o rosto em perfil esquerdo de Kamala - candidata à presidência dos EUA - uma mulher negra de cabelos lisos na altura dos ombros, rindo solto, de boca aberta, mostrando os dentes. Vemos que ela veste uma camisa de botões. Na altura de seus olhos, ao lado de sua figura - está escrito: LAUGHING KAMALA.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 18 de agosto de 2024 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Um argumento comum é o seguinte —a piada é mais grave do que o soco porque a agressão provoca dano físico, mas ser escarnecido causa dano psicológico. Com o devido respeito, quem pensa assim nunca foi alvo de uma boa agressão, e devia experimentar antes de teorizar sobre o assunto.

Vejam o caso vertente —o tapa em Chris Rock só causou dano físico? Ser agredido não causa dano psicológico para sempre, sobretudo quando a agressão ocorre perante o planeta inteiro? Haverá algum momento da vida de Chris Rock em que ele vai esquecer aquele dia, vai deixar de ser o homem agredido?

Donald Trump é conhecido por inventar apelidos para os seus adversários. Como tem pouca imaginação, o apelido é quase sempre o mesmo —"Crooked Hillary", "Crooked Joe Biden". Quer dizer desonesto, vigarista. Mas a Kamala Harris ele aplica outro epíteto —"Laughing Kamala". Ou seja, Kamala ridente, Kamala que ri. "Já a ouviram rir? Ela é louca", disse ele em vários comícios.

É uma ideia muito antiga, a de que uma mulher que ri é louca e perigosa —até porque constitui um perigo para os outros e para ela mesma. No início do século XX, em que os primórdios do cinema coincidiram com o auge da popularidade do vaudeville, os jornais americanos publicaram uma série de notícias sensacionais sobre mulheres que literalmente morriam de riso em salas de espetáculos.

O riso, que além do mais é do domínio do prazer e tem laivos de certa irracionalidade, não é para histéricas, que têm dificuldade em controlar-se —ao contrário dos homens, evidentemente. Só eles estão aptos a lidar com essa substância nociva.

No entanto, apesar de Trump ser um homem forte —passe o pleonasmo, claro—, capaz de enfrentar qualquer perigo sem medo, eu nunca o vi rir. Um homem que até sobrevive a tiros. Mas rir, curiosamente, ele não arrisca.

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