Roberto Dias

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Descrição de chapéu Tóquio 2020

Até onde vai a coragem do COI?

Comitê deixa em aberto o que acontece com quem protestar fora das regras

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É no pódio que pode estar o grande teste para a nova regra do Comitê Olímpico Internacional sobre protestos políticos nos Jogos. Serão 339 oportunidades de alta visibilidade para os atletas desafiarem a autoridade do comitê, manifestando-se fora das balizas recentemente implementadas.

A régua histórica para o veto a manifestações políticas nos Jogos está guardada no famoso capítulo 50 da Carta Olímpica. O trecho é inequívoco: “Nenhum tipo de protesto ou propaganda política, religiosa ou racial é permitido em nenhuma zona olímpica, local de competição ou outras áreas”.

Tommie Smith e John Carlos protestam no pódio durante os Jogos de 1968 - AFP

Pressionado pelos protestos cada vez mais recorrentes, o COI abriu debate interno e deixou a cargo de sua Comissão de Atletas oferecer um caminho que conjuminasse a Carta Olímpica e a insatisfação dos esportistas. Nesse processo, foram ouvidos cerca de 3.500 atletas. Maioria expressiva, na casa dos 70%, disse que achar inapropriado permitir a expressão de opiniões pessoais. Logo, 3 em cada 10 discordam, um número grande de insatisfeitos.

Disso resultaram duas manobras do COI.

A primeira foi que, sem modificar o trecho cristalino da Carta Olímpica, introduziu uma norma que libera manifestações políticas no campo de jogo, desde que anteriores ao início da disputa —como, por exemplo, na apresentação dos atletas.

Mas continuaram proibidos os protestos durante cerimônias oficiais (leia-se: abertura, encerramento e pódios), no decorrer da disputa esportiva e na Vila Olímpica.

A segunda manobra está relacionada ao que acontece com quem desrespeitar a regra.

Os atletas haviam pedido clareza nas sanções aplicáveis. O COI optou por deixar o campo de jogo bastante aberto, listando vários critérios para levar em conta: 1) o grau de interrupção provocado; 2) se o protesto violou normas de direitos humanos, incorrendo em ódio contra um país, uma raça ou uma religião, ou se incitou discriminação, hostilidade ou violência; 3) se ameaçou os valores olímpicos; 4) se ocorreu uma vez só; 5) se foi um ato voluntário ou ocorrido sob pressão; 6) se algum adversário reclamou.

Não seria nada anormal um atleta cubano aproveitar a medalha para protestar contra o embargo americano. Um ucraniano protagonizar ato crítico ao governo russo. Ou mesmo surgir uma cena relacionada à questão China x Taiwan (nas Olimpíadas os dois países têm participação igual, ao contrário do que acontece na ONU). Isso para não falar na possibilidade de um atleta brasileiro criticar o presidente Jair Bolsonaro.

Foi num pódio que ocorreu o mais famoso protesto da história olímpica, o do México em 1968. Nem ali os atletas perderam as medalhas que haviam conquistado. Os americanos Tommie Smith (ouro) e John Carlos (bronze) mantiveram seus resultados nos 200 m rasos do atletismo após se manifestarem com punhos erguidos contra o preconceito racial.

A punição que receberam foi a expulsão dos Jogos. E isso por causa da pressão do então presidente do COI, o também americano Avery Brundage, após muita resistência do comitê olímpico de seu país. Brundage, sempre bom lembrar, é aquele personagem que, quando presidia o comitê americano, não viu problema nos gestos nazistas na Olimpíada de Berlim-1936.

Em 2021, expulsar alguém dos Jogos por manifestação política já proporcionaria uma cena digna de BBB na saída da Vila Olímpica. Retirar a medalha, que é uma possibilidade contemplada pela Carta Olímpica, poderia colocar mais fogo na crise e motivar outros atletas a protestar, criando um problema esportivo em cadeia. Até onde o COI está disposto a ir para defender suas regras?

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