Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

O que o crime no Carrefour revela sobre o mercado ESG no Brasil? Nada

Nem a euforia excessiva dos últimos meses nem o pessimismo indevido da última semana retratam o verdadeiro alcance dos investimentos ESG no Brasil

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Precisei de uma semana para escrever sobre a morte hedionda de João Alberto Silveira Freitas. O tom de vários artigos que, entretanto, foram publicados na imprensa questionaram a validade do mercado ESG.

As interrogações são legítimas: se temas sociais, ambientais e de governança são relevantes para investidores, por quê o preço das ações do Carrefour Brasil, empresa que contratou os serviços de segurança, não despencaram como queda-d'água? Se uma empresa permite uma execução pública, como é que pode pertencer a índices de sustentabilidade?

Outras análises, em menor volume mas com mais alento, notaram que o preço da ação foi negociado ligeiramente em baixa no início desta semana confirmando-se que a sustentabilidade corporativa de uma empresa (diversidade, segurança laboral, segurança de consumidores, direitos humanos, e relacionamentos com a sociedade) afeta o negócio.

As consequências da tragédia –menor produtividade dos funcionários, menos engajamento e menos capacidade para atrair e reter talentos; custos adicionais com compliance e multas; quebra nas vendas e boicotes de consumidores; depredação de património– tem custos para a empresa. Concluiu-se então que isto tenha levado à queda do papel depois do assassinato. Mas na verdade oscilações semelhantes aconteceram em meados de novembro, no final de outubro ou em meados de agosto.

Logo do Carrefour - Loic Venance/AFP

Pessimistas e otimistas incorrem num erro: riscos e oportunidades ESG não são imediatistas. Dificilmente o sucesso ou o fracasso do mercado ESG no Brasil pode ser determinado por esta tragédia. E dificilmente saberemos se o preço da ação do Carrefour esta semana está sendo impactado por critérios ESG.

Primeiro uma nota explicativa. Todos os ativos financeiros, incluindo obviamente as empresas, têm uma componente ESG (ambiental, social e de governança corporativa). Como as células de um organismo ou os protões de um átomo, descobertas pela primeira vez em 1665 e 1886, respetivamente, os elementos ESG constituintes dos ativos financeiros começaram a ser descobertos e alavancados por investidores em anos recentes. Estes indicadores, principalmente os mais materiais para cada companhia, podem impactar a performance financeira. Os investidores que mostrem mais destreza na detecção destes indicadores ESG e os incorporem com mais rigor em modelos de construção de portfolios, têm mais chances de ter maiores retornos com menor risco.

O perfil ESG de uma empresa não se define por um único indicador ou por um único incidente, por mais grave que seja. Este ano, o presidente da EDP foi acusado de corrupção ativa e perdeu o emprego alguns meses antes do DJSI (Dow Jones Sustainability Index) escolher a empresa como a 2ª utility integrada mais sustentável do mundo. Funcionários da Unilever, durante a gestão do ícone da sustentabilidade Paul Polman, foram responsáveis por abusos sexuais no Quénia. Na Índia, 600 pessoas foram contaminadas com mercúrio numa planta industrial da empresa. Uma auditoria à Patagonia, uma das cinco empresas mais reconhecidas pelo seu trabalho na área da sustentabilidade (GlobeScan-SustainAbility, 2020), revelou casos de tráfico humano e trabalho forçado na sua cadeia de suprimentos.

Todos estes incidentes são relevantes e impactam negativamente o perfil ESG dessas empresas, mas têm que ser visto como um take de um filme e não como uma fotografia.

Um investidor que integre dados ESG de forma sofisticada não toma decisões de investimento enquanto a pulsação está acelerada e a testa está molhada. O valor intrínseco de cada partícula ESG só se consegue expressar financeiramente a longo prazo. Uma cimenteira que adote uma política de reutilização de materiais ou um banco que integre mais mulheres em cargos de decisão não verão os potenciais benefícios financeiros imediatamente. É um processo vinícola de maturação. Investidores de alta frequência (HFT), que realizam milhares de transações em frações de segundo por intermédio de computadores e algoritmos, dificilmente ganham dinheiro com ESG. Ciente disto, o ano passado o Dow Jones lançou o Matarin Global Long-Term Index que visa ajudar investidores a capturar um “patience premium” oriundo, em larga medida, de fatores ESG.

Para um investidor sustentável, nem um episódio de sucesso nem um incidente trágico em uma empresa, se vistos isoladamente, serve de gatilho para uma decisão de investimento. O que interessa é capturar a essência da companhia (analisando centenas de indicadores ESG quantitativos e qualitativos) e a tendência futura na sua gestão de temas ESG.

As perguntas que investidores ESG estão fazendo são: a tragédia de Porto Alegre revela um problema estrutural na companhia? A reação pública do presidente foi defensiva ou, em alternativa, pediu desculpas e anunciou mudanças operacionais? O que a administração aprendeu com incidentes no passado? Quais as consequências do assassinato a médio e longo prazo para a companhia? Analisar e matematizar estas informações leva tempo. Não depende dos horários do pregão da B3.

Perante um crime, a reação de investidores sustentáveis não tem que ser condenar. Vestir uma toga não é o seu papel. Também não tem que ser vender. Muitas casas financeiras, sofisticadas na sua capacidade de integrar dados ESG em decisões de investimento, preferem se engajar com as empresas para ajudá-las a melhorar o seu perfil ESG, de forma a que seja gerado valor financeiro. Por isso, muitos investidores com esse perfil preferem investir em empresas com baixa performance ESG (antecipando uma evolução positiva) antes do mercado precificar o premium ESG. Ser um investidor ESG qualificado não pressupõe vender ações do Carrefour.

Esta crise revelou, também, o trabalho que poderá ser feito pelo Península, family office de Abílio Diniz, que detém 7,6% do Carrefour. Em 2019 adotou uma política de investimentos responsáveis e tem dado alguns passos preliminares para integrar dados ESG em decisões de investimento. Mas o seu engajamento com o Carrefour precisa de ser propositivo também em sustentabilidade. Como esta área afeta o valor da empresa de retalho, o Península não tem interesse em perder dinheiro.

Finalmente, também é inapropriado julgar a qualidade de índices que sustentabilidade pelos olhos desta tragédia. Devido às diversas metodologias, o Carrefour pertence a algumas destas carteiras (como o S&P/B3 Brasil ESG) e nunca pertenceu a outras, como o ISE. Um índice ESG não é um certificado de beatificação. Como mencionou à coluna Aron Belinky, um dos pais do mercado ESG no Brasil, “estar em um índice ESG indica que a empresa foi analisada pela ótica da gestão social, ambiental ou de governança, mas não dá a ela um certificado de excelência ou atestado de bom comportamento.”

Integração ESG em empresas e em estratégias de investimentos pressupõe uma certa quietude. A transformações necessárias demandam horizontes temporais vastos. ESG não é ativista nem imediatista.

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