Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

'Empresas brasileiras devem aproveitar habilidades de pessoas com deficiência', diz campeã britânica

Atleta paralímpica, Susannah Rodgers conversa com a coluna sobre a empregabilidade

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Depois de 30 medalhas em competições internacionais, a vencedora do ouro nos 50m borboleta nos Jogos Paralímpicos, no Rio de Janeiro, em 2016, Susannah Rodgers aposentou-se das piscinas aos 34 anos.

Condecorada pela rainha Elizabeth II com a Excelentíssima Ordem do Império Britânico, hoje a ex-atleta, que também é conhecida como Susie Rodgers, trabalha como consultora para o governo do Reino Unido no desenvolvimento de políticas públicas de inclusão direcionadas também para as empresas e o mercado financeiro.

Susie é vista em seu país como uma das principais referências em diversidade e como uma defensora da ideia de que as pessoas com deficiência têm determinadas habilidades incomuns que deveriam ser aproveitadas por empresas.

Nesta entrevista, ela comenta sobre cotas, inclusão e diversidade. No Brasil, desde 1991 a legislação determina que empresas com 100 empregados ou mais reservem vagas para pessoas com deficiência, no entanto, apenas uma pequena parcela de pessoas com deficiência tem emprego formal.

Susannah Rodgers, que ganhou medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 - Divulgação Jogos Paralímpicos

No Brasil, 13 milhões de pessoas têm deficiência, mas apenas cerca de meio milhão têm emprego formal. O que ainda pode ser feito para enfrentar este desafio? Essa estatística é muito chocante. O aspecto mais importante da inclusão de pessoas com deficiência é assegurar uma mudança de atitude —essa geralmente é a maior barreira para o progresso. Uma vez que a pessoa percebe que uma deficiência não pressupõe incapacidade de fazer algo ou de viver uma vida plena, feliz e independente, surge um enorme potencial para aumentar a participação no trabalho, na sociedade.

Infelizmente, as cotas podem levar uma empresa a simplesmente pagar a multa por não cumprimento, ao invés de realmente refletir, em termos práticos, sobre o verdadeiro valor e benefício de empregar uma força de trabalho diversificada, incluindo pessoas com deficiência. A deficiência me ensinou a encontrar soluções tanto para problemas complexos quanto para as tarefas mais básicas –capacidade de resolução de problemas é um ótimo ativo no local de trabalho. Eu poderia listar as incríveis habilidades e experiências de pessoas com deficiência com quem trabalhei –determinação, tenacidade, lealdade, motivação, empatia.

Isso não quer dizer que todas as pessoas com deficiência são iguais. É claro que cada um de nós tem a sua própria personalidade, mas eu diria que uma das mais profundas experiências de vida nasce da experiência de se ter uma deficiência. Isso é uma vantagem no momento em que uma corporação olha para os seus valores, pensamento criativo e inovação.

Sugiro que as empresas pensem sobre aspectos positivos da inclusão de pessoas com deficiência como entregar produtos e serviços com mais qualidade e mais inclusivos, alcançar uma base de clientes mais ampla. Precisamos ir além de penalizar as empresas por não empregarem pessoas com deficiência, mas tentar fazer com que vejam os incríveis e variados conjuntos de habilidades que as pessoas com deficiência podem trazer para a discussão e como isso pode ser uma vantagem econômica.

Políticas corporativas de inclusão são frequentemente guiadas por uma atitude misericordiosa ou tentativa de supervalorizar o papel inspirador que pessoas com deficiência poderão desempenhar no ambiente de trabalho. Este é o caminho mais correto? Sempre tenho cuidado ao usar a palavra “inspiração”. Existem muitas pessoas no movimento das pessoas com deficiência que não gostam do termo inspirador. Costumo ser chamada de inspiração, mas para ser honesta, eu levo uma vida bastante normal e, às vezes, mundana de trabalho, socialização, exercícios e assim por diante.

Sobre “pena”, não gosto verdadeiramente da palavra. Não quero que me olhem com piedade ou caridade e tenho certeza de que muitas pessoas com deficiência sentem o mesmo. A razão pela qual a caridade e a arrecadação de fundos estão vinculadas às pessoas com deficiência é porque existe um forte vínculo causal entre deficiência e pobreza.

A culpa não é da pessoa com deficiência, mas sim de uma sociedade mal construída e exclusiva, não inclusiva. Pessoas com deficiência geralmente têm custos de vida mais elevados por causa do aumento das despesas de saúde, uso de transporte alternativo, instituições educacionais especializadas, emprego de cuidadores pessoais. Precisamos capacitar e apoiar as pessoas a viverem uma vida independente. A caridade poder ter um papel importante, é claro, mas não deve ser o objetivo principal.

É possível que uma pessoa com deficiência não se defina pelo seu impedimento? Uma deficiência pode ser superada? Seria esta a solução para aumentar a empregabilidade? Há um movimento de orgulho em torno da deficiência que está crescendo globalmente. Tenho orgulho da minha deficiência, não quero particularmente transcendê-la e posso discuti-la abertamente. Mas também existem muitas dimensões na Susie que vão além do fato de eu usar próteses e ter uma deficiência desde o nascimento. A deficiência é realmente uma realidade construída.

Então, na verdade, não, eu não acho que devemos remover a deficiência como um conceito, ou transcendê-la, para aumentar a empregabilidade. O que devemos fazer é começar a falar sobre deficiência, não ter medo de ter esses diálogos. Não devemos esconder a deficiência, devemos todos abraçá-la como um aspecto real e natural da condição humana. Muitas questões foram varridas para debaixo do tapete e, francamente, precisamos de ter conversas mais abertas e honestas. A solução para aumentar a empregabilidade é trazer as pessoas com deficiência para a mesa na qual se tomam decisões para que construamos uma sociedade mais justa em vez de transcender ou eliminar a questão.

Você acredita que uma pessoa com deficiência possui certas habilidades que as pessoas sem deficiência não têm? Essas habilidades podem ser aproveitadas pelas empresas? Eu diria que sim, absolutamente, embora isso não signifique que as pessoas sem deficiência não tenham as mesmas habilidades. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou alguns artigos excelentes sobre isso, um dos quais é chamado “Making the future of work inclusive of persons with disabilities” (tornando o futuro do trabalho inclusivo para pessoas com deficiências, em tradução livre). Sugiro que os empresários do Brasil deem uma olhada neste artigo.

Menciono só um excerto: “Pessoas com deficiência foram incentivadas a desenvolver habilidades como perseverança, resolução de problemas, agilidade, premeditação, pensamento inovador e vontade de experimentar para se adaptar ao mundo ao seu redor. Todas essas habilidades são essenciais para enfrentar a realidade de amanhã”.

Em um ambiente de trabalho além da natação, você já se beneficiou por ser uma pessoa com deficiência? Já se sentiu prejudicada? Como você se sentiu e reagiu em ambas as circunstâncias? Sim, no início da minha carreira eu me beneficiei de programas de emprego que tinham como alvo pessoas com deficiência. Porém, a minha empregabilidade depende do meu caráter. Sou muito proativa e ousada. Não é fácil, especialmente para uma mulher com deficiência. Tento ser confiante e, às vezes, é difícil, mas você constrói uma armadura com cada experiência desafiadora que enfrenta.

Para ser honesta, competir em uma piscina na frente de 17.500 pessoas, com milhões me assistindo globalmente pela TV aumentou minha confiança. Eu não poderia me esconder nem sequer se tentasse —todos me assistiram em um macaquinho de natação, sem minha prótese de braço e perna. Essa foi a melhor maneira de mostrar ao mundo que eu não tinha medo de ser eu mesma! Competir em dois Jogos Paralímpicos foi uma das experiências mais estressantes e incríveis que já tive na vida.

No escritório, para ser honesta, depois das experiências que tive na natação, acho que estou pronta para enfrentar a maioria das coisas.

Eu nunca me senti prejudicada, já ouvi comentários bobos, especialmente quando era mais jovem. Já ouvi opiniões ignorantes e desinformadas, mas não deixei que isso me incomodasse muito. Tento educar as pessoas se elas me dizem algo que considero desinformado, incorreto e injusto. Eu também cometo erros, todos nós cometemos, mas o importante é ter a mente aberta, fazer perguntas diplomaticamente e continuar aprendendo.

A sua maior conquista esportiva foi no Rio de Janeiro. Qual é a sua opinião sobre a atual situação política e econômica do país? É difícil responder, porque, ainda que eu acompanhe a mídia, seria injusto comentar sobre uma situação que não conheço totalmente ou sobre a qual eu não tenho experiência suficiente. No entanto, o que eu diria é que eu apoio líderes —tanto em governos quanto no setor privado— que têm em sua essência a proteção dos direitos humanos fundamentais de todos os seus cidadãos e/ou funcionários e que visam proteger o nosso belo, diverso e sustentável mundo.

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