Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Descrição de chapéu tecnologia sustentabilidade

Metaverso: entre o escapismo e a revolução ESG

Novas experiências imersivas podem tanto arruinar quanto potencializar sustentabilidade

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Macron vencerá as eleições; a China tornar-se-à a maior economia mundial; o trabalho remoto será normalizado –foram algumas das previsões mais comuns entre as dezenas de artigos sibilinos publicados pela imprensa no final do ano. Mas os vencedores do concurso de prognósticos foi o crescimento exponencial de ESG e o lançamento do metaverso. Todos as crônicas que li, mencionaram-nos.

É uma aparente contradição. Práticas ESG estão diretamente relacionadas com a necessidade de resolver problemas sociais e ambientais ou de identificar e precificar riscos climáticos, por exemplo. São tangíveis e palpáveis. O metaverso, por outro lado, é uma experiência digital imersiva, tridimensional, sensorial e, por definição, virtual.

Mas e se não houver contradição?

Horizon Worlds, o metaverso do Meta em realidade aumentada - Reprodução/Facebook

Uma parte dos investidores ESG aloca capital para gerar impacto social ou ambiental positivo. Mas muitas vezes os benefícios são difíceis de mensurar e difíceis de sentir.

Planilhas de Excel, métricas volúveis e relatórios policromáticos são o melhor que um investidor terá acesso para testemunhar os resultados do seu investimento. Com o metaverso um investidor poderá se comunicar com as pessoas impactadas, hiperpersonalizar os benefícios que quer gerar, acompanhar diariamente os resultados. A experiência de impacto será individualizada, sensorial, viciante.

O metaverso, no sentido futurístico da palavra, está longe das experiências de gamificação coletiva e remota já existentes (ex: Roblox, Epic Games), da criação de avatares online (ex: Second Life, Decentraland), ou da utilização de óculos de realidade aumentada. Na versão mais sofisticada, e quando habilitado por blockchain e por criptomoedas, permitirá uma existência paralela, sensitiva e singularizada.

Investidores sustentáveis aportarão capital buscando o superlativo da experiência, o apogeu da sensação, o ápice da ação. Se para a geração de millennials os investimentos sustentáveis são uma prioridade, para a geração A (nascida depois de 2012) afoita ao metaverso, os investimentos sustentáveis serão mobilizados mais pela experiência do impacto do que pela ética do impacto.

E enquanto os investimentos sustentáveis resolvem problemas concretos, investimentos feitos em plataformas de metaverso só serão reais nos limites desse universo. Não matam a fome de quem tem biologicamente fome, mas apenas a ideia de fome criada em um casulo virtual. Investidores terão que escolher entre fazer investimentos reais com benefícios tênues ou investimentos virtuais com benefícios corpóreos.

Outro problema do metaverso é que a sua operacionalização e universalização não dependem apenas da invenção de novos instrumentos, algoritmos ou tecnologias. O metaverso é sobretudo contingente ao desenvolvimento de standards e de uma arquitetura que permita a sua utilização padronizada por pessoas em todo o mundo. Por exemplo, a internet está assente em protocolos como os TCP/IP.

Este tipo de protocolos ainda não existe para o metaverso. E, até ao momento, tem sido induzido de cima para baixo, por uma mão cheia de empresas, atentas, justificadamente, aos seus interesses financeiros e comerciais. É uma solução em busca de um problema e não uma contrariedade à procura da sua resolução. Na direção oposta, a internet não pertence a nenhum governo ou a nenhuma corporação. É pública e aberta.

Obviamente que o metaverso poderá trazer benefícios para o mundo da sustentabilidade. Permitirá que a experiência das vídeoconferências seja muito mais imersiva e eficaz, reduzindo as necessidades de mobilidade física (menor pegada de carbono). A produção, distribuição e consumo de vários tipos de produtos e serviços passará a ser feita virtualmente, diminuindo-se o consumo de energia, de água e o desperdício de materiais.

Se eu quiser saborear o melhor vinho do Porto, não preciso visitar as caves da Graham’s em Vila Nova de Gaia ou de importar uma garrafa para o Brasil. Basta comprar no metaverso a experiência sensorial de tomar um Graham’s Six Grapes Reserve Port. Do metaverso despontarão também novas oportunidades pedagógicas para fomentar a consciência ambiental ou vincar o caráter emergencial das mudanças climáticas.

É por isso que o metaverso se desenvolverá nessa ambiguidade bipolar: é um sistema para simplificar e otimizar o nosso dia a dia? Ou é um escapismo?

A maioria das empresas que estão no pelotão da frente da sua criação, como Meta, Google, Microsoft, Tencent ou Binance, também são empresas com boas credenciais em sustentabilidade. O metaverso pode tornar-se um mero brinquedo ou virar uma ferramenta potente, por exemplo como facilitadora da descarbonização.

Resta-nos esperar que as empresas sustentáveis trabalhem pela sustentabilidade.

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