Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares

O Brasil não é uma potência ambiental global

Declarações de Lula e bravata diplomática não refletem as capacidades do país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nas suas várias viagens internacionais, Lula tem destacado que o Brasil é uma "grande potência" na área ambiental e climática. Vários outros presidentes fizeram o mesmo. Até Bolsonaro exaltou os recursos brasileiros nessa área em seu discurso em Davos em 2019. A bravata diplomática tem sido recorrente.

Mas será mesmo o Brasil uma potência ambiental?

Desde os anos 50 que as várias teorias das relações internacionais têm dissecado o conceito de "potência global" sob todos os prismas possíveis. As diferenças entre "superpotências", "grandes potências" e "potências regionais" ou a retratação do mundo como "unipolar", "bipolar" ou "multipolar" já foram exploradas quantitativa e qualitativamente até as pálpebras pesarem. Ainda que falte um largo consenso sobre essa matéria, há entendimento em alguns pontos.

O primeiro é que as grandes potências usufruem de elementos congênitos que lhes garantem uma certa primazia natural, como um vasto território ou força populacional. Na área ambiental, certamente que o Brasil se destaca, como o país do cerrado, a savana com a maior biodiversidade arbórea do mundo, e da Amazônia, a maior floresta tropical do planeta. Também tem a maior reserva de água doce disponível. Mas estes são elementos passivos. Se fossem suficientes para outorgar a um país o estatuto de potência, o Canadá ou a Dinamarca (com a Groenlândia), com os seus vastos territórios, estariam no pelotão da frente.

Imagem de satélite; ao centro, há meandros de uma linha azulada, que aparenta ser um rio; no canto superior direito, há neves, com veios correndo em direção à linha central azul
Imagem de satélite mostra degelo na Groenlândia - 29.jul.21/Reuters

O segundo elemento é material e corresponde à habilidade e experiência de um país para exercer sua influência em escala global. Não são características herdadas, mas criadas. Teóricos das relações internacionais, como Kenneth Waltz, John Mearsheimer ou Nuno Monteiro, destacam que, para ser uma potência global, um país precisa de força militar, capacidade econômica, estabilidade política, pujança tecnológica e educacional ou poder cultural, entre outros fatores tangíveis e intangíveis.

São eles que dão às grandes potências vantagens relacionais que lhes permitem exercer influência e mudar comportamentos de outros países a nível global. Se aplicarmos essa visão à área ambiental, a pujança brasileira já não é tão evidente.

Tem uma matriz energética de 43% de energia limpa e renovável. Tem o maior programa do mundo de produção de combustível extraído da biomassa. Tem inúmeras organizações da sociedade civil atuantes na área ambiental e uma quantidade significativa de quadros técnicos especializados que produzem reflexões organizadas sobre o tema, como a Estratégia Brasil 2045, do Observatório do Clima. A legislação ambiental é das mais densas do mundo. Mas titubeia na reindustrialização verde e na transição para uma economia de baixo carbono, um esforço colossal que ainda não angariou apoio político inequívoco. Desde a democratização, os líderes políticos com verdadeira vocação ambiental contam-se pelos dedos de poucas mãos. José Antônio Lutzenberger, Rubens Ricupero, José Goldemberg, Izabella Teixeira, Marina Silva. Quem mais?

O Brasil também está muito atrasado no aproveitamento dos mercados de carbono e não é referência em tecnologia climática. Praticamente não há presença brasileira entre os 350 fundos de venture capital dedicados a essa área. No país, 47% da população não tem acesso à rede de esgoto e as suas águas residuais são lançadas sem tratamento na rua ou em rios. As catástrofes de Mariana e Brumadinho geraram danos ambientais e lesões à imagem internacional do país. O índice de reciclagem é de apenas 4%, muito abaixo de países com o mesmo patamar de renda. O Brasil ocupa apenas o 81º lugar no Índice de Desempenho Ambiental da Universidade de Yale, atrás de países latino-americanos como o Chile, o Equador ou a Venezuela, que não se autodeclaram campeões ecológicos.

Para ser uma potência global ambiental, o Brasil precisaria também possuir capacidade ou interesse em resolver ou mitigar os mais graves problemas ambientais. O exercício de responsabilização, a ser exercido em nível global, é outro critério fundamental para ser considerado uma grande potência. Certamente que o Brasil tem organizado eventos internacionais (ECO-92, Rio+20 e a COP30, em 2025) e deixado as suas impressões digitais em acordos internacionais, mas não tem exercitado, de forma consistente, a sua eventual liderança na resolução de problemas climáticos e ambientais.

O Acordo de Paris de 2015 só foi possível porque em novembro de 2014 os EUA e a China assinaram um acordo bilateral. O Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, de 1987, foi imposto pelos EUA. A União Europeia, pela sua robustez regulatória, comercial e financeira, tem conseguido influenciar práticas de sustentabilidade corporativa em vários países do mundo, incluindo o Brasil.

Qual a influência do Brasil em discussões globais sobre pobreza energética, reciclagem de eletrônicos, poluição atmosférica ou produção de plásticos? O Brasil tem 7.400 kms de costa, mas qual a sua contribuição global para o tema da acidificação dos oceanos? Qual a opinião do Brasil sobre uma eventual reforma da Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados para proteger refugiados climáticos? E que papel exerceu para resolver problemas ambientais em nível regional ou global? Por que não ajudou o Peru (Callao), o Equador (MV Jessica) ou a Venezuela (El Palito) a superarem desastres ambientais causados por derramamentos de petróleo?

Uma potência global também tem de ser reconhecida pelos seus pares como tal. Infelizmente não existem normas ou arranjos institucionais que confiram o estatuto de grande potência na área ambiental. Não há um Conselho de Segurança da ONU ou um G7 aplicados à liderança climática. O reconhecimento do poder é, por isso, mais arbitrário e interpretativo. Ainda assim, é difícil encontrar exemplos materiais em que o Brasil tenha sido aceito como uma potência ambiental global. Certamente que há reconhecimento dos seus elementos congênitos; o país da Amazônia tem naturalmente lugar cativo em qualquer discussão global. Mas e além disso?

O meio ambiente é o maior diferencial competitivo que o Brasil poderia ter. Só falta aproveitá-lo. Se o país já fosse uma potência ambiental, isso já se teria refletido no aumento da renda e da qualidade de vida dos brasileiros.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.