Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares

A extinção dos CEOs

Nos próximos anos, devido à inteligência artificial, CEOs serão reduzidos ao papel de curadores, motivadores e articuladores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A empresa chinesa de games NetDragon, a produtora colombiana de rum Dictador e a portuguesa AIsthetic Apparel, que opera no setor têxtil, têm algo em comum: os CEOs foram substituídos por robôs virtuais desenvolvidos por inteligência artificial (IA).

O CEO da empresa americana de software Logikcull anunciou que a permuta será feita em 2024: "Eu realmente acredito que substituir-me por IA é a melhor decisão para a nossa empresa."

A IA permite identificar padrões processando gigantescas quantidades de informações, analisar dados de forma mais precisa e economizar custos. Os novos robôs poderão ser programados e customizados de acordo com a cultura de cada empresa.

Robô humanoide Ameca, da empresa Engineered Arts, exibido em evento de Genebra - Fabrice Coffrini - 5.jul.2023/AFP

Para tomar uma decisão, um CEO humano apoia-se no seu próprio conhecimento e experiência. Conta também com a contribuição da sua equipe. Para situações especiais, pode contratar os serviços de uma consultoria especializada.

Por definição, decisões empresariais são o somatório do eventual valor que pode ser gerado por cada indivíduo, de acordo com a experiência corporativa de cada um, a formação técnica de cada um e o perfil sociomoral de cada um. É uma espécie de antropocentrismo corporativo. "Eu Sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim", como no Livro do Apocalipse.

A IA derruba as limitações físicas e intelectuais da individualidade. Por que uma empresa precisa estar dependente apenas do conhecimento finito e da experiência particular de um conjunto limitado de pessoas? Com IA, a decisão não é tomada a partir das partes (o conhecimento individual), mas do todo.

Analisam-se automaticamente todos os dados de todas as empresas sobre todas as decisões para se conseguirem identificar vantagens, desvantagens e riscos. Qual o Valor Presente Líquido de uma nova área de negócios? Em determinado país, devemos crescer organicamente ou por intermédio de Fusões e Aquisições? A inteligência artificial processa tudo o que foi feito por todos os competidores no passado para recomendar opções estratégicas. Seria algo impossível de ser concretizado por seres humanos, por mais engenhosos que sejam.

Contrariamente à crença inicial de que a inteligência artificial só iria substituir tarefas repetitivas e rotineiras baseadas em regras, um estudo demonstrou que posições no topo da gestão corporativa, que demandam altos níveis educacionais, poderão ser significativamente reconfiguradas ou eliminadas por IA.

O primeiro passo talvez seja a automatização de várias tarefas administrativas e financeiras como a produção de orçamentos, acompanhamento do desempenho da empresa, gerenciamento de agenda, envio de emails ou revisão do desempenho financeiro. O ChatGPT Plus também já possui uma ferramenta que analisa dados, cria gráficos e executa cálculos complexos.

Em breve, a IA auxiliará CEOs a prever tendências de mercado futuras, comportamento do cliente e riscos potenciais, permitindo que tomem medidas proativas. Algoritmos de IA poderão otimizar a gestão financeira, prevendo orçamentos, identificando oportunidades de economia de custos e gerenciando riscos financeiros.

A IA poderá aprimorar a eficiência da cadeia de suprimentos, reduzindo despesas e otimizando processos logísticos. Com o tempo, a IA como a conhecemos hoje irá evoluir para Inteligência Artificial Geral (AGI, na sigla em inglês), a partir da qual as máquinas irão exercer tarefas intelectuais de forma autônoma, ampliando as capacidades humanas. Nessa altura, irá reforçar-se a predominância de um CAIO (Chief AI Officer) relativamente a um CEO.

Porém, a IA não conseguirá substituir integralmente os CEOs. Há um elemento humano, consubstanciado, por exemplo, em negociações de contratos, avaliações e motivação de funcionários, alocações de capital ou comunicação pública, que apenas um ser humano pode realizar eficazmente. Mas cada CEO contará com um CAIO do seu lado.

Nas religiões cristã e judaica, acredita-se em anjos da guarda, um ser espiritual designado para velar pelo bem-estar e orientação espiritual de um indivíduo. Na religião dos negócios, o anjo da guarda irá chamar-se inteligência artificial. A Inflection.ai e a Bunch já disponibilizam assistentes pessoais que auxiliam na tomada de decisões difíceis e criativas.

A redução do papel do CEO permitirá também a eliminação dos preconceitos inatos que cada indivíduo imprime às suas decisões, o controlo mais eficaz da corrupção e o encolhimento significativo de despesas salariais. De acordo com o Economic Policy Institute, nos EUA, um CEO de uma grande empresa recebe em média US$ 28 milhões anualmente ou 399 vezes mais do que o salário médio dos funcionários.

Outra grande vantagem da IA comparativamente a um humano é que não está sujeita a flutuações de produtividade e pode operar 24 horas por dia, sete dias por semana, sem precisar de pausas, permitindo a constante otimização de recursos.

Os CEOs serão escolhidos pelas suas qualificações éticas, psicológicas, comunicacionais e capacidade de liderança –muito menos pelo seu valor técnico ou científico. Exercerão, sobretudo, o papel de curadores, motivadores e articuladores.

As escolas de negócios terão necessariamente de se adaptar para conseguirem sobreviver. O ensino voltado para maximizar as habilidades lógicas individuais será gradualmente substituído pela integração de IA nos currículos e pela formação em ciências humanas e em ética dos profissionais de finanças, administração e economia.

Naturalmente que esta transformação não será imune a adversidades, principalmente legais e regulatórias. Levará tempo para consumidores e legisladores acreditarem plenamente na durabilidade e estabilidade da inteligência artificial. Atualmente, o Direito Societário e a Teoria Geral dos Contratos estão alicerçados na ideia de que atos jurídicos são exercidos por indivíduos com responsabilidade civil. Poderão, no futuro, Chief AI Officers assinar contratos?

Há outros desafios. A artificialização da inteligência poderá levar também ao apreguiçamento de seres humanos. Por que estudar ou trabalhar quando nenhum conhecimento adquirido está aparentemente à altura de um chatbot? Quem terá capacidade para auditar e corroborar a qualidade da informação provida por IA? Quando é que a IA irá remunerar os geradores de dados e informações das quais se alimenta? Como garantir que a tecnologia seja inclusiva e capture as necessidades de comunidades menos elitizadas? Como regular os avanços da IA além das cartas de princípios e códigos de conduta ética? A IA não tem de ser a solução para todos os nossos imbróglios sociais e profissionais.

A semana passada, o improvável Vladimir Putin perguntou ao CEO do Sberbank, o maior banco russo, num encontro com dezenas de empresários no Kremlin, se ele poderia ser substituído por IA. "A IA é absolutamente o futuro, está a par do poder atômico ou militar de um país" disse o sorridente presidente russo. O banqueiro reagiu com outro sorriso.

A inteligência artificial identifica no mínimo duas dezenas de tipos de sorrisos. O do banqueiro foi um "sorriso de resposta ouvinte" que usamos para mostrar que estamos prestando atenção no que está sendo dito. O de Putin aparentou ser um "sorriso sarcástico" que denota cinismo ou apreço pela desgraça alheia. E você? Quando pensa em inteligência artificial qual é o seu sorriso?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.