Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Gostaria de trabalhar em consultoria? Pense duas vezes

O mercado da consultoria está assente numa ideia arcaica

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A consultoria é uma atividade antiga. O primeiro consultor a desembarcar no Brasil foi o navegador português Bartolomeu Dias, em 1500. Entre muitas outras proezas oceânicas, foi o principal conselheiro de Pedro Álvares Cabral. Acabou celebrado em "Os Lusíadas", de Camões, e na obra de Fernando Pessoa. Só no século 19 os conselheiros passaram a trabalhar em empresas especializadas. A primeira consultoria, a Arthur D. Little, foi criada em 1886. Quase todas as maiores consultorias operacionais (Deloitte, PwC, EY, KPMG) e estratégicas (BCG, McKinsey, Bain) são empresas centenárias.

O modelo de negócios dessas consultorias mantém-se inalterado desde então. Oferecem conselhos especializados a clientes que buscam melhorar a eficiência, aumentar a produtividade, agilizar o processo de tomada de decisões e solucionar problemas. Os seus funcionários são hierarquizados (de analyst a managing partner) e é cobrado ao cliente um honorário por hora de trabalho, de acordo com a senioridade dos consultores alocados e o tempo despendido. Só nos EUA, há um milhão de empresas de consultoria que geraram receitas superiores a US$ 300 bilhões o ano passado.

Escritório da PwC em Barangaroo, Austrália - Lewis Jackson/Reuters

A sobrevivência do mercado da consultoria está apoiada, com apenas um pé, na ideia de que essas empresas são compostas por profissionais com conhecimento e experiência reconhecidos em determinada área específica do mercado. É com base na profundidade desse conhecimento que o seu valor é estabelecido. São a versão corporativista dos gurus do hinduísmo, dos dervixes do sufismo ou dos pajés das florestas virgens brasileiras. É assim que nos apresentamos. Sim, também trabalho como consultor.

Mas nenhuma consultoria jamais terá tanto conhecimento disponível quanto modelos de linguagem (LLMs) desenvolvidos por empresas de inteligência artificial. Sistemas de IA podem identificar padrões e apresentar soluções humanamente inalcançáveis a consultores, a um custo mais baixo e a uma velocidade extraordinariamente alta. Avaliações de mercados, análises de competidores, estudos comparativos de boas práticas serão feitos em dias, não meses.

Bases de dados como a Futurepediae a AI Toolscontêm milhares de instrumentos de IA que podem ser aplicados em atividades corporativas, incluindo apoio a clientes, comércio eletrônico, finanças, recursos humanos, gestão imobiliária ou vendas. Ainda faz contratos legais manualmente? Analisa planilhas de Excel e modelos de valuation manualmente? Faz análises estatísticas manualmente? Produz estudos de mercado manualmente? Escreve código Python manualmente? Por quê?

Um estudo da Universidade Harvard publicado em 2023 demonstrou que os consultores do BCG que utilizam IA em tarefas complexas e intensivas em conhecimento são significativamente mais produtivos (completam, em média, 12% mais tarefas e as concluem 25% mais rapidamente) e apresentam resultados de maior qualidade (mais de 40% de qualidade superior em comparação com um grupo de controle). O estudo descreve os novos consultores como centauros ou ciborgues, uma mescla de humanos com tecnologia.

Ainda há desafios. Muitas empresas ainda não têm a confiança necessária para adotar estratégias e metodologias propostas por IA. A própria IA está avançando a uma velocidade galopante, condenando ao anacronismo soluções consideradas pioneiras há alguns meses. O mercado ainda precisa se estabilizar.

Escritório da consultoria McKinsey & Company em Barcelona - Thomas Coex/AFP

Para garantir a sua sobrevivência, diversas empresas de consultoria criaram nos últimos meses forças-tarefa internas para desenvolver novos produtos alinhados com uma economia impulsionada por IA. Outras estão investindo fortemente na formação dos seus consultores. Várias estão comprando empresas de tecnologia. Mas dificilmente o modelo de negócio da consultoria não será despedaçado.

Rendendo-se à IA, as consultorias irão perder tamanho e importância, tornando-se apenas curadoras ou organizadoras de soluções desenvolvidas por IA. Emprestarão a sua credibilidade para chancelar estratégias corporativas criadas por terceiros. Ou focar-se-ão em ajudar os seus clientes a maximizarem o valor da IA com soluções customizadas. É uma oferta de serviços pequena quando comparada com o portfolio sideral das consultorias nos dias de hoje.

Em "Os Lusíadas", o monstro marinho Adamastor condena a ousadia dos navegadores portugueses por se aventurarem nos seus mares: "Pois vens ver os segredos escondidos / Da natureza e do húmido elemento / A nenhum grande humano concedidos." A IA representa os novos mares difíceis de dominar por seres humanos. Desta vez não serão conquistados. O Adamastor venceu.

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