Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu terrorismo guerra israel-hamas

'Lula não entende a complexidade do conflito', diz líder da esquerda em Israel

Ativista Stav Shaffir diz que não haverá paz com Hamas e Netanyahu no poder

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No verão de 2011, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Tel Aviv para protestar contra o aumento do custo da habitação e o declínio dos serviços públicos, como saúde e educação. A líder do movimento foi Stav Shaffir, uma jovem ativista pela paz e pelos direitos humanos. No ano seguinte, com 27 anos, decidiu "passar do protesto à política", tornando-se a mais jovem mulher a ser eleita deputada em Israel. Em representação do Partido Trabalhista, emergiu como uma das mais veementes opositoras ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e como uma das principais esperanças da esquerda israelense para regressar ao poder, como escreveram em editoriais os jornais Haaretz e The Times of Israel.

No entanto, em 2019, disputou a liderança do seu partido e perdeu para o ex-ministro da Defesa e da Economia, Amir Peretz. Já afastada da política partidária, voltou às ruas em 2023 para protestar contra o novo governo de Netanyahu.

Em entrevista por escrito à coluna, afirma que não há possibilidade de haver paz enquanto os palestinos não forem representados por líderes moderados e enquanto Israel for liderado por Netanyahu. Rejeita também as críticas ao uso desproporcional da força na resposta de Israel ao ataque do Hamas, apesar dos quase 30 mil palestinos mortos desde o início da guerra.

Lula referiu-se às ações de Israel como "genocídio" e rotulou o ataque do Hamas como um ato "terrorista". São termos pouco convencionais para um chefe de Estado. Mas a situação grave no terreno não justifica a linguagem forte?

A declaração de Lula foi vergonhosa, ignorante e incrivelmente prejudicial. Como alguém que sempre respeitou o seu trabalho, estou desiludida. Eu não sabia que ele poderia tão facilmente cair na armadilha do populismo sem se importar com os resultados ou a dor que pode causar. Descrever um país que foi fundado como lar do povo judeu, após as atrocidades do Holocausto, como "nazista", porque está se defendendo de um grupo terrorista que declarou publicamente que visa nos destruir –é uma terrível distorção da realidade.

Talvez Lula precise de um lembrete: o Hamas, o grupo terrorista que priva os palestinos do direito de criticar, votar ou lutar por suas vidas, lançou um ataque brutal contra vilarejos israelenses no dia 7 de outubro. Os terroristas do Hamas sequestraram bebês de suas camas depois de atirarem em suas mães e pais; estupraram jovens meninas e mutilaram seus seios. E transmitiram tudo online –às vezes na página do Facebook das próprias vítimas, para suas famílias assistirem. O Hamas assassinou mais de 1.300 pessoas inocentes e sequestrou 240 mulheres, crianças e homens, sob condições horríveis e ameaça constante de morte. Alguns deles eram árabes, o Hamas não sequestrou apenas judeus. Nenhum país permitiria que tal ataque acontecesse em seu território. É responsabilidade de Israel defender seus cidadãos e trazer os reféns de volta para suas casas.

A nossa nação está sangrando desde o 7 de outubro. O mais jovem dos reféns, que se chama Kfir, tem a mesma idade da minha filha: um ano de idade. Está em cativeiro sem acesso a cuidados, fornecimento regular de alimentos ou atendimento da Cruz Vermelha. Você consegue imaginar o que a mãe dele está sentindo agora, se estiver viva?

Em Tel Aviv, israelenses observam fotos de reféns sequestrados pelo Hamas em outubro - Jack Guez/AFP


O ataque do Hamas matou mais de 1.300 pessoas, enquanto a resposta de Israel resultou em quase 30 mil, incluindo muitas crianças. Como a esquerda progressista em Israel aborda essa falta de proporcionalidade?

Se o Hamas libertasse os nossos reféns, poderia já ter havido um cessar-fogo há muito tempo. Os que seriam para você as "proporções" corretas? Você sugeriria que para cada estupro de uma jovem judia, o exército israelense deveria cometer uma atrocidade semelhante em Gaza? Você sugeriria sequestrar 240 inocentes de Gaza como uma resposta "proporcional"? Como funcionaria essa equação horrível? São termos distorcidos para analisar assuntos sérios de vida e morte. Ao contrário do Hamas, Israel está se defendendo e não desfrutando desta guerra. Estamos fazendo todos os esforços para evitar ferir civis, mas o Hamas está disparando foguetes de dentro de escolas e hospitais para garantir que isso seja impossível. Israel não escolheu esta guerra, nós adoraríamos voltar no tempo. Nós saímos de Gaza há quase 20 anos, deixando-a sob controle do Hamas. Em vez de terem aproveitado para construir uma nação, decidiram construir um refúgio terrorista, sem democracia, sem direitos humanos, deixando seus cidadãos na pobreza e na miséria.

Edifício destruído em Rafah, na Faixa de Gaza - Khaled Omar/Xinhua

Netanyahu ascendeu ao poder em 2009 e, desde então, a esquerda tem tido dificuldades em se estabelecer como uma alternativa política viável. A guerra em curso afastou ou aproximou a esquerda de assumir o poder?

Como ativista pela paz, que passou 8 anos no parlamento israelense fazendo oposição a Netanyahu e a seu governo, tenho lutado toda a minha vida pela solução de dois Estados entre israelenses e palestinos. No sentido inverso, organizações terroristas como o Hamas têm lutado toda a vida contra essa mesma solução. O Hamas quer toda a terra, incluindo Israel.

É motivado apenas pelo desejo de se manter no poder e por uma crença jihadista radical. Foram eleitos em 2006 e, desde então, nunca convocaram eleições.

Alguns dos melhores ativistas pela paz foram assassinados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Ser um ativista pela paz em Israel significa lutar por direitos iguais, paz e uma vida decente para todos, israelenses e palestinos. Nossa missão é dupla: precisamos convencer nossos compatriotas israelenses, que estão traumatizados pelo ataque do Hamas, que a paz ainda é possível. E precisamos também substituir o nosso próprio governo, que é controlado por populistas e extremistas religiosos. Bibi é o líder mais nocivo da história de Israel. Para nosso próprio bem e para o futuro de Israel, devemos substituí-lo o mais rapidamente possível.

As pessoas de fora da região que realmente se interessam pela paz e querem ver tanto palestinos quanto israelenses viverem em liberdade, devem parar de olhar para esse conflito como um jogo de soma zero, porque o ganho obtido por uma das partes não é necessariamente equivalente à perda sofrida pela outra. Devemos apoiar os construtores da paz e enfrentar os extremistas e as forças antidemocráticas dos dois lados. O futuro acordo de paz só poderá acontecer com organizações palestinas que abandonem o caminho da violência e estejam prontas para baixar suas armas. Também não acontecerá com Netanyahu.

Por quê?

A estratégia de Netanyahu é perniciosa. Por não querer promover uma solução de dois Estados, uma postura semelhante à do Hamas, permitiu que o dinheiro chegasse às mãos do grupo terrorista, sabendo que seria usado para atividades violentas contra israelenses. Netanyahu nunca esteve interessado em fortalecer a Autoridade Palestina que controla a Cisjordânia e com quem temos colaboração em matéria de segurança e outros acordos desde os anos 90. Isto é algo que venho criticando regularmente há muitos anos. Ficou claro que foi um grande erro.

Poderá Lula desempenhar um papel na mediação do conflito em Gaza? O que os israelenses esperam do Brasil?

Precisamos de cooperação entre as forças sãs, pacíficas e democráticas do mundo, contra o populismo e o extremismo religioso. Receio que Lula esteja do lado errado dessa equação, caso ele decida apoiar o Hamas. Precisamos de líderes que estejam dispostos a aprender e a entender a complexidade da situação que enfrentamos atualmente. Não é o que Lula tem conseguido fazer. Por isso as suas declarações vergonhosas são tão prejudiciais. Está legitimando os atos do Hamas para que possa continuar a aterrorizar tanto israelenses quanto palestinos, apenas para se manter no poder. Isso não "libertará a Palestina", apenas nos prenderá a todos em uma violência interminável. Você acha que os palestinos serão salvos pelo Hamas, que há quase 20 anos vêm roubando seu dinheiro e seus direitos para comprar foguetes? Ou, ao invés, por um acordo de paz firmado por uma nova liderança palestina moderada, com colaboração internacional, que construiria uma nova economia, democracia e bem-estar social em Gaza e na Cisjordânia?

Como líder de um dos maiores protestos conduzidos pela sociedade civil israelense desde a fundação do país, você não se sente frustrada com o fato de muitos desafios permanecerem sem solução? Você planeja voltar à política ativa?

As pessoas hoje procuram respostas simples para os problemas mais complexos. Não é assim que funciona. Em Israel, temos de lidar com um difícil conflito político interno, visto que o nosso país foi sequestrado por uma aliança de líderes corruptos com extremistas religiosos, que querem arrastar-nos para centenas de anos atrás. E, ao mesmo tempo, temos de lidar com inimigos cruéis nas nossas fronteiras, como o Hamas e o Irã, que está a enviar armas e a fomentar grupos terroristas no Líbano e em Gaza, com o intuito de nos atacar. Esta é uma situação extremamente desafiadora. Quando você teme pela sua vida, é menos provável que você apoie mudanças e acredite na paz.

Já não estou no Knesset. Estou a trabalhar no terreno, construindo coligações internacionais para a paz, clima e democracia, formando líderes e desenvolvendo iniciativas educativas voltadas para as gerações mais jovens. Não sei se e qual seria o momento de voltar à política formal, mas estou constantemente tentando encontrar a melhor forma de gerar impacto.

Sonho que os meus filhos vivam num Oriente Médio pacífico e dedicarei a minha vida a esta missão. Mesmo neste momento horrível, quando as pessoas não querem sequer ouvir falar sobre o sofrimento do outro lado, estou constantemente trabalhando para não perder a empatia, para não esquecer que apesar da nossa raiva e trauma, existem seres humanos do outro lado. É uma tragédia para judeus e árabes, israelenses e palestinos.

A ativista israelense Stav Shaffir
A ativista israelense Stav Shaffir - Arquivo pessoal

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