Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Com apoio involuntário de Lula, Banco Central é escolhido o melhor do mundo

Gestão de Campos Neto já recebeu todos os principais galardões do setor. Apesar ou por causa das críticas de Lula?

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O presidente Lula tem frequentemente afirmado que o presidente do Banco Central (BC) "não entende de Brasil", "joga contra a economia" e "não entende de povo". Menospreza Roberto Campos Neto ao tratá-lo por "esse cidadão" e por "louco" e faz críticas constantes à instituição por manter os juros altos. Se pudesse, Lula já o teria demitido.


Como numa cena shakespeariana, as críticas têm, na verdade, servido para que o BC cimente a sua autonomia, contrariamente à prática da maioria dos países em desenvolvimento. A resistência de Campos Neto às pressões externas foi um dos fatores preponderantes para que a instituição fosse, na semana passada, escolhida como o melhor banco central do mundo pelo jornal online Central Banking. A gala de premiação, reconhecida como o "Oscar" do setor, já em sua 11ª edição, está agendada para junho, em Londres.

Não é pouca coisa. Na Turquia, o presidente Recep Tayyip Erdogan já demitiu quatro presidentes do banco central devido a desacordos sobre a política das taxas de juros. Erdogan era favorável a taxas mais baixas para estimular o crescimento econômico, enquanto o banco central defendia taxas mais altas para combater a inflação.

Na Argentina, o presidente do banco central renunciou após a presidente Cristina Kirchner acusá-lo de ter forçado o governo a promover uma desvalorização da moeda. Um anterior presidente, Martín Redrado, havia sido demitido por decreto.


Em Portugal, um ex-ministro da Fazenda assumiu a presidência do Banco de Portugal (o banco central) e, durante o seu mandato, foi indicado pelo então primeiro-ministro demissionário António Costa como a figura ideal para liderar um novo governo. Em Portugal, as portas giratórias são infelizmente demasiado comuns. A imprensa criticou os conflitos de interesse.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Adriano Vizoni/Folhapress

Foi diferente no Brasil. "Embora o BC tenha recebido elogios generalizados por seu forte compromisso em combater a inflação, atraiu uma resposta nitidamente contrastante do novo presidente do país", escreveu o jornal financeiro britânico.

O BC do Brasil conseguiu reduzir a inflação de um pico de 12,13% em abril de 2022, no acumulado de 12 meses, para os atuais 4,5% (o ponto mais baixo foi 3,16% em junho 2023), mantendo uma política monetária de subida dos juros até agosto de 2023. O júri do jornal Central Banking considerou que o BC foi das primeiras autoridades monetárias a entender que a crise inflacionista não era "transitória" e que o risco de "fazer menos", dado o histórico hiperinflacionista do Brasil, era muito maior do que "fazer demais" (desvitalizando a atividade econômica).

Além disso, a publicação destacou a inovação do Banco Central, exemplificada pelo lançamento do Pix em 2020, hoje com 160 milhões de usuários. O BC também implementou iniciativas como o Open Finance e está desenvolvendo o Drex, a nova moeda digital assentada numa plataforma de tecnologia de registro distribuído (DLT).

Finalmente, a agenda climática do banco é outra área de inovação destacada na atribuição do prêmio. São dezenas de boas iniciativas adotadas ao longo dos últimos anos. Em 2020, a sustentabilidade tornou-se um dos seis pilares da agenda estratégica do BC do Brasil. Em 2022, passou a exigir que bancos contabilizem potenciais perdas que surjam de fenômenos relacionados a mudanças climáticas. A atribuição de crédito rural passou também a exigir a integração de critérios de sustentabilidade. O ímpeto do BC nesta área só não ultrapassa o do Banco Central Europeu e o do Banco da Inglaterra.

Em entrevista recente à Folha, Campos Neto destacou que a política de juros é muito afetada pelos eventos climáticos que distorcem os preços da economia.

À premiação do BC como o melhor banco central do mundo o Planalto reagiu com silêncio. Em 2021, quando Campos Neto foi eleito o melhor banqueiro central pela revista britânica Banker e, em 2022, quando foi escolhido pelo LatinFinance Banks of the Year Awards como o melhor do continente, o então presidente Bolsonaro também reagiu como quem se pica num espinho de uma rosa. Nenhum dom José 1° gosta de ter um Marquês de Pombal dentro de casa.

Olhemos para o México. Em 2021, pouco tempo depois do jornal Central Banking ter selecionado Alejandro Díaz de León como o melhor presidente de um banco central do mundo, o presidente mexicano, López Obrador, decidiu não o nomear para um segundo mandato porque procurava "un economista experimentado." León é formado em Yale, tem uma sólida carreira no setor financeiro público e recebeu cinco prêmios internacionais por seu trabalho no Banco Central do México. Mas, para Obrador, foi fatal ter sido nomeado pelo anterior presidente, Enrique Peña Nieto.

Obrador e Lula talvez gostem da história da criação do Riksbanken, o Banco Central da Suécia e o mais antigo do mundo. Quando foi fundado, em 1668, a governança era formada por membros do clero, da burguesia e da nobreza, escolhidos e destituíveis pelo rei. Mas há muito tempo o banco sueco define com total autonomia a taxa de juros do país.

Erik Thedeen, presidente do Banco Central da Suécia - Fredrik Sandberg/TT News Agency via Reuters

O seu presidente, Erik Thedéen, uma figura reconhecida no mercado financeiro sueco, reforçou recentemente que "den nationella penningpolitiken måste anpassas försiktigt för att säkerställa att inflationen stabiliseras på ett hållbart [a política monetária nacional precisa ser adaptada com cautela para garantir que a inflação seja estabilizada de forma sustentável]".

Se tivesse sido dita em português, a declaração poderia ser de Campos Neto.

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