Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Bens de pecado

Proposta de taxar produtos açucarados tem cara de bode na sala

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No encontro dos ricos de Davos, o ministro brasileiro anunciou que, no pacote de reforma tributária, o governo poderia taxar refrigerantes e outros produtos que podem causar mal à saúde. Isso tem cara de bode na sala. Em tese, contudo, a ideia não seria de todo ruim se o governo tomasse cuidado com o desenho do imposto.

A ideia por trás de impostos sobre doces é simples: as pessoas não têm perfeito autocontrole e, portanto, acabam consumindo mais de alguns produtos do que "deveriam". Açúcar seria, então, um tipo de vício, e caberia ao Estado desestimular seu consumo, assim como o faz com tabaco e álcool. Taxar o açúcar reduziria seu consumo e salvaria vidas. 

No mundo ideal, teríamos uma taxa ótima que desestimularia o consumo sem criar mercado negro, com produtos contrabandeados, ou aumentar o mercado informal. Mas, nesse mesmo mundo ideal, a política ótima não seria um imposto. Artigos recentes, como o de Rees-Jones e Rozema, mostram que, no caso de cigarro, campanhas de marketing, limites de propaganda e outras iniciativas para que as pessoas queiram fumar menos funcionam muito melhor que impostos diretos. 

Além disso, açúcar não é um produto tão bem definido quanto cigarro ou cerveja. Vários tipos de açúcar são usados como bens intermediários na produção de centenas de bens finais, desde bolo até medicamentos. 

Taxar açúcar é operacionalmente muito mais complicado que no caso tradicional dos bens de pecado. E uma outra barreira seria a regressividade da medida. Como pobres consomem proporcionalmente mais bens de pecado, como refrigerantes, qualquer novo imposto tornaria nossa péssima distribuição de renda ainda pior. 

Regressividade pode ser resolvido. Fazemos isso o tempo inteiro; impostos regressivos sobre consumo são compensados, em tese, por maiores alíquotas de Imposto de Renda e transferências. O que importa é a regressividade agregada, e não de cada imposto separadamente. 

 

Mas a questão operacional não é trivial e pode resultar no imposto distorcendo a economia sem criar nenhum benefício. 

Qualquer decisão sobre essa proposta depende dos detalhes. Como vai ser cobrado o imposto de uma empresa no qual açúcar entra na composição do produto? Vai ser cobrado por tamanho da embalagem? Por peso? No início da cadeia (usina de açúcar) ou no ponto de venda?

Não dá para formar opinião antes de saber todos esses detalhes. Isso, é claro, se a proposta for séria, e não somente algo para distrair a sociedade enquanto o governo toma outras medidas ruins. 

Na quinta-feira (23), saiu o resultado do índice de percepção de corrupção, e o Brasil repetiu seu pior resultado

Mas não é só nessa área que vamos mal. 

No índice sobre aplicação das leis do Projeto de Justiça Global, continuamos a trajetória descendente, puxados pela categoria de direitos fundamentais. O índice vai de 0 a 1, e, quanto menor, pior. 

O direito a não sofrer discriminação caiu de 0,60 para 0,56, de 2015 até hoje, assim como o direito à liberdade de expressão, de 0,79 para 0,69.

Mas muito mais preocupante é o direito a um processo criminal justo, hoje em 0,36 (para ilustrar, na Argentina é 0,58).

A corrosão institucional nos deixa na contramão da história. Ironicamente, com o mesmo escore geral do Brasil, 0,53, está a Hungria, outro país que caminha para trás.

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