Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu Sabesp

Sobre a Sabesp, o que importa é se chegará saneamento aos mais pobres

Setor estar nas mãos do setor público não é algo a ser comemorado ou desmerecido

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"Pai, quando vamos ter saneamento?" "Nunca, minha filha. É um setor estratégico. A elite disse que é mais importante manter o setor na mão do Estado do que se preocupar com a qualidade dos serviços."

Essa pode parecer uma falsa dicotomia, mas não é. Não se deve usar a desculpa de que um setor é estratégico para subprover um serviço básico à sociedade. Isso vale para saneamento, energia elétrica, infraestrutura, telefonia, medicamentos e muitos outros.

A questão é simples: o que importa, em um setor dito estratégico, é normalmente uma garantia de suprimento em momentos de crise ou resiliência a desastres. Isso pode ser feito com empresa pública, privada ou intergaláctica.

Protesto na Assembleia de SP contra a privatização da Sabesp - Ronny Santos/Folhapress

No debate sobre a privatização da Sabesp, muito pouco se ouviu sobre quem realmente importa: os mais pobres. São Paulo tem 600 mil vivendo em meio ao esgoto e sem saneamento. Menos de 70% do esgoto do estado é tratado e 1,6 milhão de pessoas não tinham acesso ao sistema de rede de água.

Uma empresa visar o lucro não é obstáculo para a provisão de serviços públicos. Setores regulados são aqueles nos quais o Estado determina as regras que as empresas devem seguir, definindo as contrapartidas e até limitando as taxas de retorno que as firmas podem ter.

Se o Estado determinar que investimento em universalização é a contrapartida, as empresas vão buscar isso para ganhar dinheiro. Se dependesse do pessoal do "setor estratégico", até hoje teríamos que colocar linhas de telefone como patrimônio no imposto de renda.

A maior promessa da privatização da Sabesp é antecipar a universalização do acesso a água e esgoto de 2033 para 2029. Não há nenhuma garantia que isso vá acontecer, pois isso depende de um bom desenho de contrato.

Empresas que visam lucro vão sempre tentar limitar investimentos pouco rentáveis enquanto maximizam a receita das áreas mais nobres. Mas, de novo, é por isso que existem agências regulatórias.

O problema na desestatização da Sabesp é a promessa de que os investimentos vão aumentar e a tarifa será mais barata. Tal cenário é muito pouco provável, pois os investimentos serão feitos em áreas menos rentáveis. A não ser que haja gigantescos ganhos de eficiência com a diminuição da participação acionária do estado, algo discutível.

Se pegarmos o exemplo da universalização do sistema de telefonia, as privatizações levaram a imensos investimentos na ampliação e na melhoria do sistema, mas veio com aumento nas tarifas. Afinal, como uma empresa vai ser viável se tem de investir mais em áreas sem economias de escala?

Além disso, água e esgoto são serviços subsidiados no mundo inteiro. Se o estado está prometendo diminuição de tarifa e aumento de investimentos, é porque deve estar, indiretamente, subsidiando mais a empresa.

A comparação do presidente da Sabesp com as privatizações da Vale e da Embraer, que se tornaram empresas globais, não faz muito sentido. A Sabesp é um monopólio natural em um mercado regulado. Para investir globalmente, primeiro deve universalizar os serviços localmente. E isso está muito longe de acontecer.

São pouquíssimos os setores realmente estratégicos. E, mesmo neles, o que importa é prover a sociedade com serviços de qualidade. Isso não pode ser desculpa para omissão.

A Sabesp estar nas mãos do setor público não é algo a ser comemorado ou desmerecido. O que importa é: vai chegar saneamento aos mais pobres? O resto é futrica.

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