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Sabesp

Privatização da Sabesp é temerária

Carecemos de informação e processo menos açodado para definição de política que garanta saneamento para todos

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Rubens Naves

Advogado, é autor de “Saneamento para Todos” (ed. Palavra Livre) e “Água, Crise e Conflito em São Paulo” (ed. Via Impressa); ex-professor de Teoria Geral do Estado da PUC-SP

Depois de atropelar a Constituição estadual (artigo 216, parágrafo 2º), a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) autorizou a privatização da Sabesp com alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, mediante pregão ou leilão em bolsa de valores ou oferta pública de distribuição de valores mobiliários.

De acordo com o projeto aprovado, o procedimento de alienação deverá ser precedido de avaliação e seguir as diretrizes de atendimento às metas de universalização de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário até 2029, e de redução tarifária, com foco na população mais vulnerável.

O estado destinará, no mínimo, 30% do valor líquido obtido com a desestatização para a constituição do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento.

Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo
Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo - Gabriel Cabral - 26.jul.2019/Folhapress

O poder público poderá estabelecer condições para que o novo acionista cumpra uma agenda de investimentos, mas o projeto aprovado não define quais são as condições para se obter o melhor resultado para o vendedor (acionista majoritário), que é o estado de São Paulo.

Conteúdos do projeto e a forma como o processo foi conduzido —com escassa articulação com os municípios, titulares constitucionais do saneamento— suscitam questionamentos relevantes sobre legalidade e segurança da decisão parlamentar. Mas neste momento cumpre, principalmente, alertar para o potencial negativo da decisão da Alesp, seus riscos e impactos para os usuários e toda a sociedade.

O desmonte do atual modelo jurídico da Sabesp, sociedade de economia mista controlada pelo estado, com eficiência e experiência comprovadas —como se infere da própria mensagem enviada pelo Executivo, motivando o projeto encaminhado para a Alesp— terá grande impacto.

A presença majoritária do estado na governança da Sabesp traz sinergia na articulação com os governos municipais e com os outros poderes e prerrogativas estatais necessários à condução do saneamento básico para toda a população.

A perda dessa sinergia revela-se temerária na medida em que poderá atingir a segurança hídrica, em especial na região da Grande São Paulo, onde a escassez de água para o futuro é preocupante e os processos de outorga revelam um possível esgotamento.

O acesso de uma empresa estatal aos recursos de financiamento ao fomento do saneamento básico assegura menor impacto nas tarifas praticadas. Uma empresa privada privilegiará o lucro e a majoração da distribuição de dividendos, com a captação de recursos mais onerosos.

Nas regiões metropolitanas, a preocupação com a segurança hídrica e a crise de abastecimento do passado evidenciam riscos implicados no fim do controle estatal de uma empresa tão estratégica.

No litoral norte de São Paulo, com a bandeira vermelha hasteada, há contaminação hídrica dos inúmeros aglomerados urbanos sem coleta e tratamento de esgoto como ponto de grande vulnerabilidade, preocupação permanente do Ministério Público, sem deixar de mencionar a catástrofe provocada pelas chuvas torrenciais de fim de ano. Situação que também demanda ação articulada de todos os poderes e unidades da federação com as mudanças climáticas.

Diante dessas situações, já desafiadoras, e da perspectiva de significativo agravamento dos efeitos climáticos, não é hora de priorizar a busca privada por lucro nem de abrir mão um modelo bem-sucedido, equilibrado e estrategicamente alinhado com os desafios contemporâneos —como é o da Sabesp.

A simples indicação de que o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento poderá assegurar a redução tarifária não é sustentável, pois são recursos limitados, diante de um plano de investimentos de longo prazo.

Carecemos de muita informação e um processo menos açodado para definição de uma política consistente que assegure —por meio do controle social qualificado— saneamento para todos e um futuro socioambiental sustentável.

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