Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Precisamos de um novo contrato social

Todos temos responsabilidade pelas péssimas políticas públicas e privadas no país

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Por que nos EUA os ricos doam boa parte ou toda a sua fortuna, enquanto no Brasil dependemos do setor público para resolver os problemas da sociedade?

A resposta está na diferença de contrato social; nós estamos muito mais próximos do contrato europeu que do norte-americano.

Nesta semana, uma doação de US$ 1 bilhão vai garantir que os estudantes da Faculdade de Medicina Albert Einstein, no Bronx, em Nova York, possam estudar de graça. Esse não é o único exemplo nem em Nova York. A escola de medicina da NYU, uma das dez melhores do país, já é gratuita há anos após uma doação semelhante (ela custava até US$ 55 mil anualmente antes disso).

Essas histórias parecem estranhas para brasileiros, mas também para europeus. Meus alunos na Dinamarca não entendem muito bem por que alguém faria isso. "Pagamos altos impostos para o governo resolver os problemas sociais; não é para contarmos com dinheiro privado."

A Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York - Michael M. Santiago/Getty Images via AFP

E nem os melhores museus do país, feitos com doações de coleções privadas ou por campanhas para arrecadar recursos privados, como a Glyptoteket, e os museus Thorvaldsen e Louisiana, para ficar em alguns, servem para mudar essa ideia.

Nos EUA, grande parte da cultura de terceirizar problemas sociais para doações privadas vem dos puritanos, que foram os primeiros a colonizar o país. Eles, parte do movimento calvinista, acreditavam que enriquecer era glorioso (muito antes de Deng Xiaoping), mas com um senão: morrer rico seria pecado. Ou seja, tinham como valor moral trabalhar duro de forma extremamente capitalista desde que devolvessem o excesso para a comunidade.

E esses valores ainda sustentam políticas públicas nos EUA, e o comportamento privado também, mesmo que os puritanos não sejam a elite americana desde o século 18.

Não conheço um americano razoavelmente bem-sucedido, judeu, budista, muçulmano, evangélico ou católico, que não se preocupe sobremaneira com as causas que apoiam diretamente com doações. Há redução de impostos para doações privadas, mas o total doado chega a 2% do PIB por ano, muito mais que em outros países (no Brasil, esse percentual é de cerca de 0,2%).

O modelo americano não é replicável nem é necessariamente eficiente: o Estado chega a quase se ausentar de alguns setores sem que os recursos privados consigam resolver os problemas, como no caso dos desabrigados nas grandes cidades.

Dr. Ruth Gottesman, ex-professora da Albert Einstein College of Medicine,do Bronx,
Ruth Gottesman, ex-professora da Faculdade de Medicina Albert Einstein - NYT

Mas, qualquer que seja o modelo, nenhum país de renda média falhou como o Brasil, onde muitos acham que pagam muitos impostos porque não veem retorno neles. Não vão ver nunca, pois, em um dos países mais desiguais do mundo, a faixa de renda para alguém ser contribuinte líquido do sistema é baixa.

No Brasil, mesmo quem é renda média acaba contribuindo mais do que recebe do Estado, algo que só vai acabar quando a desigualdade do Brasil diminuir.

Falhamos, e um dos exemplos disso é vermos crianças de rua cheirando cola em algumas das principais capitais do país. Isso é algo inaceitável em qualquer sociedade de renda média. E isso não é uma questão de dinheiro. Seja com dinheiro privado, seja com dinheiro público, há coisas que não deveriam acontecer nunca.

Puritanos, católicos, ou satanistas, todos temos responsabilidade pelas péssimas políticas públicas e privadas no país. É fácil "terceirizar" e dizer: "Ah, o governo tem que resolver". Mas não vai. Precisamos de um novo contrato social; todos teríamos responsabilidade. Estamos preparados?

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