Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Descrição de chapéu greve

Greves têm preço

Na USP, associação de docentes não entende restrições orçamentárias da universidade

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"Por quê você não foi pro colégio hoje?" "Por que os professores estão em greve." Quem cresceu nos anos 1980 ou 1990 lembra das constantes paralisações. Uma das principais razões para tantas atividades sindicais era a hiperinflação.

Cada alta de preços fazia necessária a renegociação de salários (quem nunca precisou saber o que é um gatilho salarial é uma pessoa de sorte). Hoje, a alta da inflação também contribui para o aumento de greves pelo mundo e devemos esperar mais delas pelo Brasil. Mas, aqui, elas às vezes têm uma característica especial: a busca pela anistia.

Motoristas de vans escolares apoiaram caminhoneiros durante greve em maio de 2018. Um dos pontos de mobilização foi no Km 280 da Rod. Regis Bittencourt, em Embu das Artes
Motoristas de vans escolares apoiaram caminhoneiros durante greve em maio de 2018. Um dos pontos de mobilização foi no Km 280 da Rod. Regis Bittencourt, em Embu das Artes - Marcelo Justo/Folhapress

Historicamente, greves foram uma das principais formas de pressão para melhorar condições de trabalho. Contudo, desde que o período da "grande moderação" começou, com taxas de juros e inflação baixas, paramos de ouvir tanto sobre paralisações pelo mundo. Mas, com o recrudescimento da pressão inflacionária, estamos vendo a volta dos sindicatos e movimentos grevistas como importantes agentes políticos. Nos EUA, acabou recentemente a parada dos roteiristas de Hollywood, mas começaram piquetes nas portas de cassinos em Las Vegas.

E no Brasil, voltaram as greves de alunos e professores. Esse tipo de greve também tem ocorrido no mundo com mais frequência. Na Inglaterra, vários colegas se recusaram a dar aulas e provas nos últimos meses, para reclamar contra a diminuição da contribuição para aposentadoria. Lá, contudo, há uma diferença: todo mundo está disposto a pagar por isso. Os salários são cortados e os professores só voltam a receber depois que voltarem ao batente.

Foi o mesmo na greve dos roteiristas nos EUA: vários artistas se cotizaram para ajudar os trabalhadores da indústria. Obviamente, a perda de renda é desigual: os trabalhadores sentem muito mais que os estúdios. E renda não é a única perda possível. Lula foi preso por 31 dias no final da década de 70 por liderar um movimento grevista. Ele colocou o seu na reta, no meio de uma ditadura militar, para melhorar as condições salariais dos seus representados.

Não existe processo de negociação honesta no qual ambas as partes não tenham algo a perder. Não há ódio mais puro do que o daqueles que não precisam colocar nada na reta. É por isso que os primeiros pedidos são sempre por anistia. Sem consequências, qualquer tipo de manifestação pode se tornar extrema e sem pudor.

Por isso, faz sentido que os alunos possam fazer greve na USP, mas os professores tenham terminado o seu movimento. Os alunos estão atrasando sua formação. Os professores não colocavam nada em risco. Greves, contudo, não deveriam ser o normal no processo de negociação. No caso da USP, acontece em parte porque sem coordenação interna bem-feita, departamentos vão sempre brigar por um orçamento fixo.

Na Copenhagen Business School, vários professores estão sendo demitidos e departamentos estão sendo obrigados a cortar custos, mas sem paralisações, porque o processo foi feito de forma razoavelmente transparente. A associação de docentes da USP parece não entender restrição orçamentária, pois "denuncia a política de contratação docente que implica concorrência entre departamentos." Esse é o mundo real, no qual recursos escassos são alocados em escala de prioridade. Essa concorrência ou é resolvida por regras bem definidas ou vai continuar na pauta para sempre.

Quem muda o mundo é quem se arrisca a perder algo de verdade. Sempre.

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