Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Ronaldo Lemos

Biotecnologia brasileira em destaque

Visibilidade internacional mostra que nossa ciência pode ter impacto global

A prestigiosa revista Wired —considerada a bíblia da tecnologia no Ocidente— trouxe como matéria de capa na última edição um longo artigo sobre biotecnologia no cultivo de alimentos. A revista retrata o uso da técnica de edição genética chamada Crispr para modificar o DNA no cultivo de tomates. Um dos resultados obtidos nos EUA é a criação de frutos com uma haste mais fácil de ser cortada, evitando danos na hora da colheita.

Apesar de a matéria abrir destacando o trabalho de cientistas americanos, os verdadeiros heróis do texto estão no Brasil. Trata-se do botânico Lázaro Peres, da USP, e do geneticista Agustin Zsögön, da Universidade Federal de Viçosa.

O próprio texto diz que o trabalho deles “leva o processo de edição genética dos tomates a um nível completamente novo”. Trabalhando juntos, conseguiram fazer a engenharia reversa do processo de evolução do tomate.

Funcionário separa tomates no conado Yuanmou, na China
Brasileiros conseguiram eliminar do tomate todas as mudanças genéticas ocorridas por causa de seleção humana ou natural - Xinhua/Cai Yang

Em outras palavras, conseguiram eliminar da planta todas as mudanças genéticas ocorridas por causa de seleção humana ou natural.

O resultado é a obtenção do tomate em seu estado originário, quando a planta era apenas uma espécie de erva daninha, capaz de produzir um único fruto minúsculo e sem graça, do tamanho de uma ervilha. Voltaram assim à estaca zero evolutiva, criando um proto-tomate.

Ao fazer isso, conseguiram reiniciar o processo evolutivo da planta a partir do zero, batizado de “redomesticação”.

A partir desse proto-tomate, foi possível criar uma nova linhagem evolutiva, sem ter de partir dos erros (ou acertos) do tomate que conhecemos hoje.

Zsögön afirmou para a Wired que esse novo tomate “re-evoluído” é delicioso e tem mais licopeno (o antioxidante que faz o fruto ser vermelho) do que outras espécies.

Esse método abre caminhos promissores. Nos EUA, há planos de usá-lo para redomesticar variedade de cereja da terra, tornando-as tão atraentes quanto as amoras ou os mirtilos. No Brasil, Peres menciona que está trabalhando para redomesticar um tomate selvagem das Ilhas Galápagos, capaz de tolerar climas extremos e longos períodos de seca. Isso pode ampliar a segurança alimentar em um mundo que enfrenta o aquecimento global.

O mais interessante é que essas espécies modificadas com a técnica Crispr não são consideradas como “transgênicas”.

Os alimentos que recebem o selo de transgênico (identificados com uma letra T dentro de um triângulo amarelo no Brasil) recebem genes adicionais, até mesmo de outras espécies (daí o apelido de “comida frankenstein”).

Já essas mudanças feitas com a técnica Crispr apenas suprimem genes —mantendo a estrutura genética original— e não adicionando nada de novo.

Aliás, vale lembrar que está em fase de votação final no Senado a lei que acaba com a obrigatoriedade de incluir o selo de transgênico nos produtos vendidos no Brasil. Uma enquete sobre o projeto no site do Senado recebeu 26 mil votos contra a mudança e apenas 1.000 votos a favor.

A visibilidade internacional do trabalho de Peres e Zsögön em uma das principais revistas do planeta mostra que a ciência brasileira pode ter impacto global. É um fato importante para nos lembrar que outro Brasil é possível. Mesmo após o forte significado da tragédia do Museu Nacional.

 

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