Nos últimos meses, a prefeitura de São Paulo vem trabalhando para a construção de um "Big Brother" na cidade. Seu nome também é inglês e quer ser simpático: "Smart Sampa". No entanto, os documentos públicos publicados até agora para a construção desse sistema complexo têm erros graves e inaceitáveis.
Primeiramente, vale explicar no que consiste o projeto. A cidade quer integrar diversos serviços municipais que hoje operam sem conversar uns com os outros, como deveriam. Dentre esses serviços está a CET, o Samu, a Defesa Civil e a Guarda Municipal. Quer também instalar 20 mil câmeras adicionais na cidade, complementando aquelas que já são operadas por alguns desses serviços, só que sem integração. Na prática, quer criar um "Centro de Operações" capaz de unificar a administração da cidade e de atuar em tempo real.
Outras cidades que são referência em políticas públicas municipais, como Boston ou Nova York, já implementaram projetos semelhantes. São Paulo, enquanto cidade que tem vocação para grandes eventos e enfrenta o desafio da uma gestão municipal de larga escala, faz bem em querer considerar o papel da tecnologia na atuação pública. No entanto, há problemas gravíssimos no que está sendo proposto.
O primeiro deles é um capítulo todo dedicado ao chamado "reconhecimento facial". Em outras palavras, a capacidade das câmeras instaladas de identificarem indivíduos através dos seus rostos. Essa tecnologia vem sendo criticada hoje globalmente. Há inclusive propostas para que seja banida ou sofra moratória quanto à sua implementação.
As razões para isso são muitas. Primeiro, o fato da tecnologia ser embrionária e gerar sobretudo falsos positivos. Além disso, aumenta a desigualdade, servindo de ferramenta para perseguição a segmentos da população que hoje já são vítimas de violência institucional.
A parte de reconhecimento facial deveria ser integralmente banida do projeto. Até por conter no seu texto uma atrocidade como a seguinte frase: "permitir rastrear uma pessoa suspeita, monitorando todos seus movimentos e atividades, por características como cor, face, roupas, forma do corpo, aspectos físicos etc". Monitorar pessoas por conta de elementos como cor da pele é algo ilegal e inconstitucional. Um acinte revoltante.
Além disso, as câmeras teriam de ser capazes de detectar "vadiagem". É como se o projeto futurista da cidade de São Paulo tivesse suas raízes em 1893, quando Floriano Peixoto criou um decreto legislativo que autorizava punir com trabalho forçado os "vadios, vagabundos e capoeiras que fossem encontrados na Capital Federal". Outro acinte vergonhoso do projeto.
Outra parte absurda consiste em criar um sistema de monitoramento de mídias sociais, incluindo Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e outras. Em outras palavras, a prefeitura de São Paulo quer saber o que você faz nas redes sociais em tempo real, podendo usar isso contra você e analisar cada conteúdo "por sentimento, categorizando cada texto em positivo, neutro ou negativo".
O que o monitoramento sistemático de mídias sociais traz de positivo a um projeto de gestão municipal com câmeras é algo difícil de entender. Em suma, um projeto que quer ser "smart" (inteligente) não pode ter tantos elementos "dumb" (burros).
READER
Já era achar que reconhecimento facial nas cidades é uma boa ideia
Já é reconhecimento facial como uma tecnologia embrionária e cheia de problemas
Já vem várias cidades banindo ou colocando moratória com relação ao reconhecimento facial
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