Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Concílio Vaticano 2º falhou com os católicos e com o catolicismo

Igreja Católica exige elogios constantes a seu projeto de renovação, quando todos veem que está em crise e declínio

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The New York Times

Alguns anos atrás, numa festa, tive uma conversa com um simpático senhor mais velho, um irlandês-americano da geração baby-boom e da região nordeste dos Estados Unidos. Em algum momento, a conversa se voltou para a vida familiar e os desafios de arrastar crianças queixosas para a igreja, e eu disse algo de passagem sobre a obrigação dominical, ou seja, a exigência imposta aos católicos de assistir à missa sob pena de pecado grave.

Ele me olhou com uma espécie de perplexidade amigável. "Oh", disse ele, "mas você sabe que a Igreja se livrou disso depois do Concílio Vaticano 2º?"

O papa Francisco durante viagem ao Bahrein - Vaticano - 5.nov.22/Reuters

Eu realmente não discuti com ele. O catolicismo estava no fundo de seus ossos, ele havia sido educado por freiras um dia, quem era eu para lhe dizer o que sua fé realmente ensina?

Mas considero esse encontro, e outros como ele, intensamente relevantes para minha coluna de algumas semanas atrás —sobre o fracasso do Concílio Vaticano 2º em equipar a Igreja para os desafios da modernidade tardia, a maneira como suas reformas visavam a resiliência, mas, em vez disso, levaram à crise e à deterioração.

O que tentei enfatizar ali, com algumas referências ao trabalho do historiador francês Guillaume Cuchet, foi que o problema do Concílio Vaticano 2º provavelmente não foi alguma mudança ou controvérsia específica que se seguiu —fosse sobre liberdade religiosa, o uso do vernáculo na liturgia ou a posição moral do controle artificial da natalidade. Em vez disso, foi a simples escala das mudanças, a evisceração de toda uma "cultura da prática obrigatória" (frase de Cuchet), que cortou vários fios que ligavam as pessoas à fé, minou a confiança de que a Igreja realmente sabia o que estava fazendo e tornou as pessoas mais relaxadas sobre as obrigações que restaram oficialmente.

A questão de ir à missa aos domingos é um bom exemplo. Tecnicamente, a Igreja nunca disse o que meu interlocutor amigável acreditava, nunca suspendeu a obrigação semanal. Mas quando uma série de costumes que reforçavam essa obrigação foram relaxados, desde a exigência de jejuar antes da missa até a ênfase na confissão regular, a mensagem tácita foi a que ele recebeu —que o tempo de regras rigorosas havia terminado, que dali em diante a Igreja seria definida por um tipo de flexibilidade mais... americana.

A ideia não era simplesmente facilitar o catolicismo, é claro; havia a esperança de que um cristianismo mais verdadeiro florescesse quando a obediência mecânica diminuísse. Mas as políticas e os resultados, e não as esperanças, são o que deve nos interessar três gerações depois.

E, por si só, uma política de aliviar os fardos dificilmente era uma ideia maluca de como a Igreja poderia se adaptar à modernidade e manter os católicos nos bancos. Deixando de lado as questões espirituais, de uma perspectiva institucional, pode-se ver a lógica de dizer que o mundo está dificultando ser católico, então vamos facilitar a prática da fé.

Na verdade, direi que o estilo relaxado da Igreja contemporânea oferece concessões úteis à minha própria situação como profissional ocupado que faz malabarismo com diversas obrigações seculares. Mas também sou um caso incomum: um convertido na adolescência e filho de um convertido, um fiel excessivamente intelectualizado, um pouco esquisito na minha mistura de laxismo e literalismo.

Para a maioria das pessoas, a fé católica não é uma ideia que você escolheu e que tem corolários na prática (como ir à missa no domingo). É uma herança que você recebe e tem que decidir o que fazer com ela.

A partir dessa perspectiva, um obstáculo fundamental para que os católicos modernos realmente pratiquem seu catolicismo herdado não é se eles discordam dos ensinamentos da Igreja ou se sentem adequadamente bem-vindos (por mais que essas questões importem). É que a Igreja está competindo com um milhão de outras coisas que parecem urgentes, e em sua forma pós-Concílio Vaticano 2º muitas vezes falhou em estabelecer a importância de seus próprios rituais e obrigações.

Por exemplo, meu palpite seria que mais católicos americanos faltam à missa por causa de exigências dos esportes juvenis, da necessidade sentida de um "tempo em família" mais descontraído ou das atrações competitivas de trabalho e lazer do que por alguma questão teológica ou moral. E com o tempo esse padrão se fortalece: os filhos dessas famílias se tornam casais que não se preocupam em se casar na igreja e pais que não batizam seus filhos, e assim o declínio continua por causa de prioridades culturais, não de crenças.

No momento, a hierarquia católica está engajada no chamado sínodo sobre sinodalidade, uma série de sessões de escuta e confabulações burocráticas destinadas a tornar a Igreja mais acolhedora e inclusiva —com uma forte suspeita dos conservadores de que o fim do jogo serão mais liberalizações da doutrina religiosa.

Eu sou um desses conservadores desconfiados, mas acho que a análise do Concílio Vaticano 2º que estou oferecendo aqui aponta para um conjunto ligeiramente diferente de perguntas para os católicos liberais que estão tendo seu momento sob o papa Francisco.

Ou seja, qual de suas reformas faria a Igreja parecer mais importante para os semicaídos? Como se alcança alguém que não se sente indesejável na missa, mas também não sente nenhum tipo de urgência em participar? Se o catolicismo progressista está ocupado em suspender o que vê como obrigações não essenciais, apressando-se na direção de um futuro possível onde nem é preciso ser católico para receber a comunhão na Igreja Católica, que forma de obrigação pode incutir?

Os liberalizadores não acreditam que um retorno à tradição seja suficiente para o desafio atual. Muito bem; como um não tradicionalista em minha prática pessoal, sou uma evidência para o ponto de vista deles. Mas qual é o novo meio, o mecanismo acolhedor e afirmativo do século 21, pelo qual meu amigo da festa, o católico ancestral, pode ser convencido de que realmente importa se ele vai à missa dominical?

Qualquer potencial recuperação da vitalidade católica sob o modelo do papa Francisco, qualquer futuro em que a revolução do Concílio Vaticano 2º seja de alguma forma justificada, depende acima de tudo da resposta a essa pergunta.

Admito que o catolicismo romano não é "desconhecido" na era atual. Mas na região da Europa do cardeal Jean-Claude Hollerich, um importante aliado de Francisco e possível sucessor (ele é o arcebispo de Luxemburgo), já é uma "pequena seita" pelos padrões do passado: alguns relatos colocam a frequência à missa entre os que se identificam como católicos na Alemanha em cerca de 9%, e cerca de 5% entre os católicos holandeses e franceses, todos parte de um acentuado declínio multigeracional.

Para um argumento mais detalhado e menos implausível, recomendo um fio no Twitter de David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade Fordham, respondendo à minha coluna. Seu argumento mais forte é sobre a vitalidade pós-Concílio Vaticano 2º do catolicismo fora do Ocidente. Essa vitalidade é visível principalmente na África Subsaariana, onde o catolicismo cresceu dramaticamente à medida que a população do continente crescia, sem a queda drástica que se vê em outros lugares.

Mas a exceção é a África, e não, como Gibson sugere, um "Sul global" geral que o que ele chama de minha perspectiva americana "paroquial" ignora. Sim, é provável que o impulso demográfico tenha levado adiante o crescimento católico em algumas partes do mundo, mesmo quando começou o declínio acentuado no Ocidente, mas os padrões na América Latina hoje são semelhantes aos americanos e europeus, exceto com mais perdas para o pentecostalismo e o evangelismo. (Apenas entre 2010 e 2020, na Argentina natal do papa, a parcela de católicos passou de 76% para 49% da população). O colapso pós-1960 é pior na Europa Ocidental, mas o fracasso da renovação é evidente em quase todos os lugares onde o catolicismo estava bem estabelecido antes do concílio.

Então os outros pontos de Gibson são menos convincentes: ele me acusa de não ter "um senso de história" por não reconhecer que os desafios enfrentados pela Igreja são mais profundos do que o concílio. Mas minha coluna afirmou explicitamente que alguma versão do Concílio Vaticano 2º era necessária, que seu infeliz fracasso não prova que a igreja poderia ter continuado como estava sem enfrentar algum tipo de crise, algum choque ou declínio.

Ele invoca o caos que se seguiu aos concílios anteriores para dizer que, na minha visão, muitos teriam que ser "considerados um fracasso", e sim, acho que alguns deles foram. Alguém acredita, por exemplo, que o Quinto Concílio de Latrão, em 1512-17, precisa ser considerado uma grande obra do Espírito Santo, quando claramente falhou em fazer qualquer coisa útil para impedir a Reforma Protestante, que começou no ano em que terminou? Mesmo o Concílio de Trento falhou claramente em alguns de seus objetivos, já que não reconciliou os luteranos ou recatolicizou o norte da Europa ou evitou a Guerra dos Trinta Anos.

Em última análise, o negócio da Igreja Católica é salvar almas, servir a Jesus Cristo e manifestar a presença de Deus através de sua santidade e beleza. E, como eu disse na coluna e repito, o que gera cinismo é quando a Igreja se comporta como o Império Soviético em sua velhice e exige elogios constantes à sabedoria e ao sucesso de um projeto de renovação que já tem décadas, quando todos podem ver claramente que está presidindo a crise e o declínio.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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