Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Lei da eutanásia no Canadá mobiliza críticos e defensores

Desafio é estabelecer um sistema capaz de distinguir entre opção racional de morrer e pedido de ajuda do paciente

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No mês passado, escrevi uma coluna dura sobre o sistema canadense de eutanásia, que se expandiu rapidamente nos últimos anos, com mais de 10 mil pessoas terminando suas vidas sob seus auspícios em 2021. Esta semana, quero recomendar duas análises muito diferentes da experiência canadense.

A primeira vem de um artigo na última edição do site The New Atlantis. Seu autor, Alexander Raikin, obteve material interno da burocracia da eutanásia no Canadá, mostrando que seus funcionários discutem em particular o que os críticos acusam publicamente desde o início: que um número significativo de pessoas que solicitam a eutanásia parece ser levado a isso pela pobreza ou a dificuldade de acesso a cuidados médicos, tanto quanto pelo sofrimento físico ou mental, e que os provedores de eutanásia podem acabar tomando isso como certo.

Homem que sofre de Alzheimer na Holanda se recusa a comer e morre, na Holanda - Michael Kooren - 10.out.22/Reuters

Para citar um desses provedores, eles podem lamentar as "desigualdades estruturais" que influenciam quem solicita a eutanásia, mas não consideram necessariamente seu papel proteger as pessoas "da opção de ter uma morte assistida", ou tratar a eutanásia como o "resultado errado" apenas porque o candidato pode estar tendo outros problemas.

Raikin passa a considerar dois casos individuais de pessoas em tais circunstâncias. Um deles é Les Landry, um ex-camioneiro de Alberta com histórico de tendências suicidas que perdeu os pagamentos por invalidez quando completou 65 anos e solicitou assistência médica para morrer (MAID, na sigla em inglês, de "medical assistance in dying") porque sentiu, nas palavras de Raikin, que "não tem mais o apoio fundamental de que precisa" para viver a vida normal.

A outra é Rosina Kamis, uma doente crônica de 41 anos que foi sacrificada em setembro de 2021: seus motivos oficiais eram dores físicas de leucemia crônica, fibromialgia e outras condições, mas em comunicações privadas ela disse às pessoas que seu sofrimento era mais mental do que físico, tanto pelo isolamento quanto pela dor: "Acho que se mais pessoas se importassem comigo, talvez eu pudesse lidar sozinha com o sofrimento causado por minhas doenças físicas".

Como Raikin aponta, ambos os casos ilustram o emaranhado de motivações que podem levar a uma decisão de suicídio assistido, e a impossibilidade de estabelecer um sistema burocrático capaz de "distinguir de forma confiável uma opção racional de morrer de um pedido desesperado de ajuda".

O que sugere, por sua vez, que quanto mais permissivo e expansivo for o regime de eutanásia, mais frequentemente uma pessoa que está basicamente pedindo apoio será aprovada para uma injeção letal.

Se o artigo de Raikin é uma crítica particularmente vívida da eutanásia burocrática, o ensaio subsequente de Richard Hanania em defesa do regime de eutanásia do Canadá é uma notável progressão através de diferentes informações a favor do sistema.

Hanania começa defendendo o sistema canadense em termos familiares do caso moderado e cauteloso do suicídio assistido, que busca torná-lo legal apenas como uma forma excepcional de misericórdia no fim da vida, claramente separado da maneira como a sociedade trata a maioria das formas de sofrimento mental e físico.

Ele observa que, mesmo com o aumento acentuado das mortes assistidas, a grande maioria das pessoas submetidas à eutanásia são doentes terminais, e que a parcela de receptores canadenses de MAID com menos de 45 anos ainda é extremamente pequena —com a implicação de que os casos discutidos por Raikin ainda são exceções à regra.

Mas Hanania vai mais longe. Primeiro, ele assume uma posição libertária mais expansiva, criticando qualquer pressuposição jurídica ou médica contra a assistência ao suicídio, porque arroga ao Estado o poder de decidir sobre "as condições adequadas" para sair desta vida, em vez de apenas deixar a pessoa suicida tomar a decisão por si mesma.

A partir dessa perspectiva, pode-se concordar com Raikin que a burocracia da saúde não é competente para determinar as verdadeiras motivações de Kamis para o suicídio —ou de qualquer outra pessoa— e ainda considera que o Estado deveria deixar a liberdade pessoal seguir seu curso escolhido.

Portanto, "o fato de o programa canadense estar crescendo rapidamente não significa, por si só, que algo esteja dando errado. Poderia facilmente indicar que as pessoas estão muito dispostas a infringir a liberdade individual e forçar outras pessoas a sofrerem contra sua vontade, e o Canadá é mais avançado moralmente do que o resto do mundo nessa área".

E então —respondendo, em parte, a alguma insistência minha no Twitter— Hanania vai ainda mais longe, para uma posição que trata o suicídio de pessoas que podem se sentir "um fardo para sua família ou para o resto da sociedade" como uma escolha não meramente aceitável, mas potencialmente nobre:

"Desde quando denunciamos as pessoas que consideram como suas ações afetarão os outros? Eu não gosto de incomodar os outros, e para muitos pais a possibilidade de um dia serem um fardo para os filhos assusta-os muito mais do que a morte. Acho que esse é um sentimento nobre, e eu me sacrificaria de bom grado quando for velho para que aqueles de quem gosto possam viver vidas melhores e mais gratificantes", escreveu Hanania.

"Se vamos falar de dignidade humana, não consigo pensar em nada menos digno do que acabar uma vida orgulhosa e bem-sucedida usando fraldas e com o cérebro apodrecendo, deixando seus filhos infelizes e impedindo-os de atingir todo o seu potencial. O suicídio é, em muitos casos, um ato nobre e heroico e, portanto, deveria ter a sanção do Estado."

Além do mais, ele conclui, muitas pessoas concordam com ele sobre isso, a julgar pelas pesquisas e representações na cultura pop de suicídio assistido: "Os romanos tinham um conceito de 'suicídio patriótico' em que a morte era preferível à desonra e, apesar de dois milênios de influência cristã, ainda podemos ser inspirados pela ideia".

Há muito a ser dito sobre o argumento de Hanania, mas eu só quero pegar a última sentença e abordá-la por um momento, porque se relaciona com os pontos que levantei em minha coluna original. A coluna começou discutindo o vídeo que uma loja de departamentos canadense produziu para celebrar o suicídio assistido —um tributo espiritual aquoso e holístico a uma mulher de 30 e poucos anos que se matou para escapar do sofrimento da síndrome de Ehlers-Danlos.

Parte do meu argumento era que o aspecto espiritual do vídeo não era uma coincidência, que a aceitação em massa da eutanásia provavelmente não substituirá a proibição cristã do suicídio por uma neutralidade libertária ou secular. Em vez disso, uma sociedade que incentiva a eutanásia acabará tendendo a sacralizá-la, recorrendo a narrativas pré-cristãs ou pós-cristãs nas quais a decisão de se matar não é apenas permissível, mas sagrada.

Esse ponto se conecta a um dos meus temas recorrentes —a ideia de que o liberalismo por si só, o liberalismo como pura neutralidade processual entre visões de mundo concorrentes, não pode realmente existir por muito tempo como o princípio ordenador exclusivo de uma sociedade.

Em vez disso, o que chamamos historicamente de liberalismo é realmente "liberalismo-plus", no qual uma ordem constitucional é emoldurada por princípios liberais, mas depois infundida com alguma teologia ou ideologia animadora que ordena as vidas, molda a política e define os termos dos debates culturais.

No ensaio de Hanania, pode-se ver uma versão disso dentro dos limites de um único texto. Ele começa com um argumento moderado que parece calculado para tranquilizar as pessoas que querem ser um pouco permissivas, mas também querem que os velhos tabus cristãos sobre o suicídio sejam mantidos.

Ele passa daí para uma perspectiva mais expressamente libertária que varre completamente a religião bíblica. E então infunde ativamente esse libertarismo de uma espécie de argumento pseudorromano, pagão e pré-cristão para o suicídio como um bem positivo, um serviço apropriado aos deuses da cidade e do lar.

Esses deuses não precisam ser literais; não tenho dúvidas de que Hanania desdenharia da espiritualidade festiva do vídeo da eutanásia canadense. Mas esse tipo de pós-cristianismo terapêutico e místico e seu estoicismo remodelado são versões diferentes do mesmo destino, dois exemplos relacionados do que a descristianização produz —não apenas "mentes livres e mercados livres" e liberdade para todos, mas uma nova teoria da boa vida e, com ela, um novo conjunto de pressões conformistas.

Essa transformação não é uma inevitabilidade simples ou rápida; uma sociedade dividida pode ficar entre visões de mundo, por assim dizer, por um bom tempo. E a mistura na sociedade ocidental de ideias cristãs, semicristãs e pós-cristãs ajuda a explicar a variação nos regimes de eutanásia em diferentes nações desenvolvidas —uma variação que pode durar algum tempo, em vez de todo mundo simplesmente convergir para a abordagem canadense.

Mas o fato de que os antigos tabus cristãos ainda têm uma força preventiva também deve deixar alguém um pouco cético em relação à tentativa inicial de tranquilização de Hanania, sua sugestão de que a subida para 3% de todas as mortes canadenses pode ter sido escorregadia até agora, mas podemos confiar na preferência humana natural pela vida em vez da morte para impedir que as nações desenvolvidas façam ou aceitem algo muito pior.

Isso não tranquiliza porque podemos ver na própria lógica de Hanania o potencial para uma categoria muito maior de vidas que não valem a pena ser vividas: a vida degradada, a vida deprimida, a vida dolorosa, a vida financeiramente onerosa. (Ou a vida cronicamente doente, para citar o território do desespero que conheço melhor.)

E você pode ver nas tendências atuais de nossa sociedade, nossa "recessão social", o potencial para que muitas outras vidas sejam vividas em condições psicologicamente tênues ou aparentemente descartáveis, seja por causa de problemas de saúde, vício aparentemente intratável em drogas ou jogos de apostas, várias formas de isolamento social e falta de trabalho, uma existência sem amigos e pós-familiar.

Nesse ambiente, a proposição canadense de que o sistema médico talvez não seja capaz de ajudar a pessoa se sentir melhor, mas sempre pode ajudá-la a morrer, não me parece uma inovação particularmente autolimitante.

E se a eutanásia for mantida dentro de limites ou recuar de seus avanços suspeito que serão os velhos tabus e proibições cristãs que farão a diferença, não um libertarismo que cede tão rápida e facilmente a destinos pagãos.

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