Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ross Douthat
Descrição de chapéu The New York Times

Série 'Yellowstone', com Kevin Costner, conquistou a direita americana

Programa cativou republicanos ao defender a autoridade patriarcal em pequenos reinos e abraçar espiritualidade panteísta

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The New York Times

Escrevi um pouco sobre "Yellowstone" depois da viagem de minha família através do país no verão passado, ligando a telenovela de sucesso aos atuais debates sobre uso, desenvolvimento e conservação da terra no oeste americano.

Minha coluna descreveu a série como muito "Estado republicano" e citou um ensaio muito democrático cuja autora, Kathryn VanArendonk, da Vulture, descreveu como foi atraída pelo programa quase a contragosto.

Cena da quinta temporada da série Yellowstone - Divulgação

Com seu retrato de um patriarca branco aguerrido, mas simpático, defendendo um modo de vida de caubói contra o dinheiro do litoral e os transplantados californianos, não parecia controverso apresentar o programa como inclinado à direita.

Mas talvez seja controverso. Um artigo recente no IndieWire argumenta que "1923", uma das prequelas de "Yellowstone" (a outra é "1883", talvez com episódios de meados do século ainda por vir), dá aos espectadores uma "dose de teoria crítica da raça" em seu retrato de americanos nativos sendo brutalmente maltratados em um internato dirigido por católicos.

Há um meme conservador circulando que mostra o John Dutton de Kevin Costner sentado resolutamente na carroceria de uma picape antiga, expressando uma espécie de piedade liberal em estilo caubói: "Bem, eu reconheço".

Matt Walsh, do Daily Wire, pegou o meme e sugeriu que todos os programas de Taylor Sheridan, o diretor-executivo de "Yellowstone", são claramente "woke" –acordados para a realidade social. "Não tenho ideia de por que os conservadores gostam tanto desse cara", tuitou Walsh. "Ele os odeia e está tentando fazer programas de que vocês não vão gostar.

Ele literalmente disse isso. E então ele vinculou a uma citação de Sheridan negando as intenções conservadoras e insistindo que sua mensagem é, no mínimo, progressista: "O programa fala sobre o deslocamento de nativo-americanos e a maneira como as mulheres nativo-americanas foram tratadas e sobre a ganância corporativa e a gentrificação do Oeste e a grilagem de terras. Isso é um programa de Estado republicano?"

Minha resposta básica ainda é sim. Tendo reivindicado repetidamente "Girls" de Lena Dunham como a causa da reação, certamente não vou deixar o testemunho de Sheridan atrapalhar a interpretação correta de seu trabalho. Mas vamos dar o devido crédito ao argumento do diretor-executivo.

Há uma leitura de "Yellowstone" que o coloca na mesma categoria de programas de prestígio como "Os Sopranos", "Mad Men" e seus vários imitadores –programas que convidavam uma audiência majoritariamente liberal a experimentar um meio atávico e dominado por homens e sentir um frisson de atração, uma atração pelo desonroso ou o exótico, em histórias que, em última análise, seguiam a corrupção desses mundos e sua merecida condenação.

Você poderia argumentar que, ao criar John Dutton, um fazendeiro rude que mata ou abençoa a morte de grande número de pessoas na busca para manter sua terra, Sheridan estava apenas imitando esse estilo, convidando seu público a experimentar os prazeres familiares do faroeste, enquanto fundamentalmente julgava os pecados do patriarcado branco.

Talvez seja isso o que ele pretendia, mas o programa não é assim: Sheridan gosta demais de Dutton, de seu mundo e seu modo de vida.

Sim, o fazendeiro-patriarca tem defeitos e falhas. (Mas quem não tem?) Sim, ele comete um assassinato de vez em quando para proteger sua família e sua terra. (Mas não seja ingênuo, às vezes é exatamente isso o que os líderes fazem.) Sim, você poderia dizer que ele fez um trabalho menos que perfeito ao criar seus filhos. (Que o pai sem pecado atire a primeira pedra.)

Mas o centro do seu mundo, a ordem política em miniatura do Rancho Yellowstone, é um bom lugar e um bom sistema, algo pelo qual vale a pena lutar, a última ilha num mar de condomínios e cafeterias onde a verdadeira masculinidade ainda está disponível e a relação entre a humanidade e a natureza ainda é pura.

Eu poderia continuar com esta análise, mas o ensaio de VanArendonk a capta bem: Para um programa sobre um enorme pedaço de terra –e o de Dutton é grande o suficiente para ser essencialmente um Estado-nação–, existem realmente apenas dois edifícios que importam.

O maior, mais notável e externamente impressionante é a Dutton Lodge, uma imponente mansão de madeira e pedra do rio. Ela foi projetada para intimidar por dentro e por fora, e sua decoração é uma mistura específica de riqueza e faroeste americano.

Os inimigos de Dutton costumam ser investidores repugnantes e desalmados do Vale do Silício, pessoas que tendem a preferir tetos altos, rigidez moderna, enormes folhas de vidro e acabamentos de alto brilho.

Em contraste, o alojamento de Dutton é um tipo de lugar de madeira escura e lareira crepitante. Há cabeças de veado na parede, cadeiras de couro cravejadas de latão e padrões Pendleton. Os Duttons têm um chefe de cozinha particular, mas todos usam botas de caubói dentro de casa.

Além disso, o nome do chef é Gator. É riqueza, tudo bem, mas é filtrada por um prisma de validação de estilo. É riqueza, mas tudo bem porque os Dutton conseguem o que Montana deveria ser.

A única outra estrutura de qualquer importância sustentada em "Yellowstone" está em outra parte do rancho de Dutton: o barracão onde vivem todos os trabalhadores do rancho.

É apertado e descomplicado, dois ou três cômodos de uma área de estar com cozinha, banheiro e um quarto onde meia dúzia ou mais de caubóis dormem em beliches duplos. O barracão está cheio de cobertores xadrez, latas de cerveja vazias e tapetes de macramê.

É onde personagens com nomes como Lloyd, Colby e Walker cospem e jogam jogos de bebida e desmaiam antes de cambalearem na madrugada seguinte para levar o rebanho para um novo pasto. As paredes do barracão estão cobertas de fotos rasgadas de revistas de mulheres bonitas –não nuas, mas castamente convidativas, mulheres alegremente sorridentes.

Há obscenidade e violência no barracão, mas é uma obscenidade boa e limpa e uma violência boa e viril. O barracão é um lugar difícil, e também é o que "Yellowstone" vê como o melhor e mais verdadeiro lugar do mundo.

O ensaio continua descrevendo a maneira como essa cultura de barracão resgata e conserta um jovem problemático, um criminoso em formação salvo por um parente que basicamente o contrata para o mundo de Dutton –um dos principais arcos narrativos do programa e um sem equivalente no estilo mais tradicional de drama de prestígio.

Não há aprendizado da Máfia que termine bem em "Os Sopranos". Os fundamentalistas mórmons em "Big Love" ou os policiais corruptos em "The Shield" não estão realmente oferecendo refúgios em um mundo sem coração. E quanto menos se falar sobre o aprendizado em "Breaking Bad" melhor.

A exceção que prova a regra é "Mad Men", em que Don Draper é (à sua maneira) um bom chefe para Peggy Olson –mas isso porque ela representa a alternativa protofeminista à sua cultura de velhos garotos, o substituto do público por meio de quem nós experimentamos o glamour do velho mundo e também sua derrubada.

Em "Yellowstone" não há tal sucessor moralmente superior, apenas forasteiros republicanos circulantes que são claramente piores que Dutton, quaisquer que sejam seus pecados, cujo capitalismo corporativo faz seu capitalismo familiar parecer o melhor que um mundo caído pode oferecer.

E também não há uma figura como a Dra. Jennifer Melfi de "Família Soprano" ou Skyler White de "Breaking Bad", um facilitador que pode finalmente se voltar contra o anti-herói masculino, reconhecer sua maldade e repreender a parte do público que pensou que apenas deveria animá-lo.

(Todos os filhos adultos de Dutton têm feridas e relacionamentos complicados com o pai, mas até agora o melhor deles, Kayce, claramente incorpora o lado virtuoso da cultura do rancho e barracão; aquele que está mais afastado da família, o adotado Jamie, fervilha de ressentimentos e ambições indignas de um vaqueiro.)

É verdade que esses programas de prestígio mais antigos nunca foram totalmente bem-sucedidos em afastar o público da atração perigosa que seus anti-heróis geravam: em vez disso, eles produziram de maneira confiável o que Emily Nussbaum, da The New Yorker, descreveu como "fãs ruins", espectadores que pareciam acreditar que deveriam apenas torcer pelo patriarca no outono e desprezar as megeras e os tipos cumpridores da lei que o importunam para que se reforme.

Mas esses fãs estavam realmente interpretando mal esses programas, enquanto um fã que prefere Dutton e sua família a seus supostos sucessores está simplesmente lendo "Yellowstone" corretamente.

Observe que eu disse "sucessores". Existem não-Duttons que convidam à simpatia, mas são os antecessores da família como gestores de Montana –nativos americanos, com quem o programa simpatiza absolutamente e por meio dos quais surgem as cenas e os monólogos que são chamados de "woke".

Em alguns casos, esse rótulo é preciso, mas com maior frequência o programa enfatiza o terreno comum entre os Dutton e seus vizinhos indígenas. O chefe da tribo local, Thomas Rainwater, tem uma esperança irreal de, de alguma forma, restaurar o Vale de Yellowstone à condição primitiva e deixar seu povo viver, como ele diz, com a terra, e não dela –o que o torna um homem ainda mais fora do tempo do que Duton.

Enquanto isso, a esperança mais realista de reparação e renovação é incorporada pelo casamento entre o herdeiro aparente, Kayce, e sua esposa indígena, Monica, cujo filho um dia herdará o rancho, unindo assim os dois verdadeiros administradores do oeste, o caubói e o índio, contra as elites desenraizadas e intrusas.

Com efeito, o programa está se apropriando de parte da energia antimoderna da política de esquerda contemporânea –especialmente a ideia de que as formas indígenas de conhecimento são superiores à tecnocracia–, misturando-a com o ressentimento branco rural da cidade liberal e forjando uma frente unida contra o futuro, uma reação pan-étnica.

Mas não uma reação cristã, notadamente. Os brancos do programa não têm religião real e, se estiver realmente fazendo uma teoria crítica da raça, "1923" definitivamente dá ao cristianismo organizado um tratamento extremamente hostil.

No casamento de Kayce e Monica, a espiritualidade autêntica é algo que o lado indígena traz para a união e que falta aos Dutton. O cristianismo do passado dos colonos brancos é tratado, efetivamente, como o mesmo tipo de coisa que o neoliberalismo dos ricos californianos do presente –uma visão universalizante e "civilizadora" que destrói a liberdade do homem natural.

Assim, "Yellowstone" entra nas disputas contemporâneas do conservadorismo americano, que se encontra cada vez mais lutando com uma espécie de desafio vitalista nietzschiano à velha fusão do constitucionalismo elitista e do cristianismo conservador.

O programa de Sheridan oferece a liberdade masculina do barracão como alternativa à superlotação sufocante da cidade. Defende a autoridade patriarcal em pequenos reinos contra formas multinacionais de poder. Abraça uma espiritualidade panteísta como alternativa a um cristianismo extinto. É um programa de direita, para uma direita pagã.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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