Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Trump e Biden se unirão contra DeSantis?

Adversários em 2020 devem investir na mesma narrativa para pintar governador da Flórida como candidato austero

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Se Joe Biden soou por vezes parecido com Trump em seu discurso sobre o Estado da União, vangloriando-se de um histórico de nacionalismo econômico, a imitação poderá em breve ocorrer no outro sentido.

Os ataques de Biden aos republicanos por estarem supostamente ansiosos para cortar o Medicare e a Previdência Social foram uma clara antevisão de como ele espera concorrer em 2024.

Mas também foram uma antevisão de como Trump poderá tentar recuperar a indicação de seu partido –reprisando a rejeição em 2016 à austeridade do Tea Party e atacando rivais potenciais (o que significa, principalmente, Ron DeSantis) como dogmáticos libertários que não se importam com a classe média.

O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, discursa durante evento em Las Vegas, no estado de Nevada
O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, discursa durante evento em Las Vegas, no estado de Nevada - Wade Vandervort - 19.nov.22/AFP

Essa estratégia foi prevista recentemente por Joseph Zeballos-Roig e Shelby Talcott no site Semafor. Seu tema era o chamado Fair Tax, um antigo fascínio de certos ativistas de direita que propõe substituir o código tributário dos Estados Unidos por um imposto sobre vendas. Isso traria certas vantagens em eficiência econômica; também resultaria num drástico aumento de impostos para a classe média.

No auge do Tea Party, em que propostas políticas implausíveis estavam na moda, o Fair Tax foi endossado por muitos dos atuais aspirantes à próxima eleição: Nikki Haley, Mike Pence e Mike Pompeo e, sim, o próprio DeSantis. O que dá a Trump uma licença para acusar todos esses potenciais adversários de apoiarem um aumento de impostos para a classe média –e os autores do texto no Semafor citam uma fonte do movimento Trumpworld basicamente prometendo um ataque nesse sentido, para forçar os rivais de Trump a "responder pelo que eles apoiaram e pelo que eles defenderam no passado".

Essa mesma frase poderia facilmente se aplicar às mudanças de direitos previdenciários propostas que muitos republicanos (novamente, incluindo DeSantis) apoiaram na mesma época, sob a influência dos planos orçamentários de Paul Ryan. Essas propostas eram sérias, não excêntricas, embora inoportunas num momento em que havia mais espaço fiscal do que os falcões do déficit acreditavam.

Mas também eram seriamente impopulares, e o fato de Trump tê-las descartado foi crucial para seu sucesso em 2016. E, tendo-as descartado à época, ele está bem posicionado para perseguir DeSantis e outros agora –imitando não só sua campanha anterior, mas, como aponta Philip Klein, da National Review, a estratégia adotada por Mitt Romney nas primárias de 2012, quando ele afundou a candidatura de Rick Perry em parte ao criticá-lo por chamar a Seguridade Social de "esquema de pirâmide".

Isso significa que o Partido Republicano não trumpista pode esperar passar a próxima corrida presidencial enfrentando ataques semelhantes de Biden e da campanha de Trump. Tornar a semelhança muito óbvia pode ser prejudicial para o próprio Trump. Mas o perigo para os republicanos é que, mesmo que Trump não consiga derrotar DeSantis insistindo em suas posições anteriores, ele ainda estará reforçando para os indecisos a narrativa liberal de que os republicanos (não trumpistas) se preocupam apenas com os ricos.

Em certo sentido, essa narrativa não deve ser muito difícil para DeSantis neutralizar, já que seu histórico como governador da Flórida é mais moderado do que libertário –com aumentos no pagamento de professores, apoio à proteção ambiental etc.–, e não está claro que os eleitores se importem tanto sobre votos de muito tempo atrás, se não estiverem vinculados a propostas de políticas específicas agora.

Mas a questão é quais seriam exatamente as propostas políticas mais atuais de DeSantis, num cenário fiscal limitado pela inflação pela primeira vez em décadas. Certamente há um cenário em que ele rejeita a austeridade e abraça os gastos pró-família e de políticas industriais, talvez até encontre alguns aumentos de impostos modestos aplicáveis aos profissionais liberais e, assim, evite a pinça Trump-Biden.

Mas não será fácil conseguir. Especialmente porque parte da força de Trump sempre foi que ele não precisa da classe doadora do Partido Republicano da maneira como os políticos normais precisam, enquanto DeSantis terá de acionar essa classe se quiser destronar o ex-presidente. E o preço do apoio deles será, muito provavelmente, algo que não é particularmente popular: não necessariamente uma ideia marginal como o Fair Tax ou uma grande proposta de revisão de direitos previdenciários, mas pelo menos um corte de impostos que coma o orçamento, que provavelmente não será populista de qualquer forma.

Novamente, 2012 é um precedente interessante. Parte do que eliminou Romney naquela eleição foi que, embora ele defendesse a Seguridade Social contra Perry e se recusasse a aceitar quaisquer propostas fiscais excêntricas, ainda acabou sobrecarregado com um plano de reforma tributária que doadores e ativistas aprovaram, mas que era fácil para os democratas atacarem.

Não é difícil imaginar uma candidatura de DeSantis que reúna o establishment e derrote Trump apenas para terminar numa posição semelhante nas eleições gerais. O que sugere uma maneira como os ataques populistas de Trump a outros republicanos poderão na verdade beneficiar as chances do partido.

Eles não deixarão dúvidas, para DeSantis ou qualquer outra figura, sobre as fraquezas da formulação de políticas da direita tradicional. E poderão forçar uma adaptação precoce que, de outro modo, poderia parecer, como as tentativas de mudança de Romney em 2012, muito pequena e muito atrasada.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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