Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Guerra entre Israel e Hamas vai redefinir a política ocidental

Alinhamentos à esquerda e à direita sobre conflito israelo-palestino não são os mesmos de 10 ou 15 anos atrás

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Já faz muito tempo desde que o conflito entre Israel e palestinos ocupou pela última vez um lugar tão central na política e no debate ocidental como agora —certamente não desde a invasão israelense da Faixa de Gaza em 2009, e possivelmente não desde o fim da Segunda Intifada, em 2005.

Naquele passado distante, a política de Israel-Palestina se dividia em alinhamentos antigos e familiares. Nos Estados Unidos, havia três grandes facções pró-Israel: democratas sionistas, centristas e liberais; falcões neoconservadores; e cristãos evangélicos. À medida que se movia para a esquerda, a simpatia pelos palestinos aumentava, com progressistas americanos e a sabedoria convencional europeia encontrando terreno comum em suas críticas à ocupação israelense. Finalmente, também havia uma forma de sentimento anti-Israel à direita, mantida por realistas arabistas, populistas de Pat Buchanan e reacionários europeus —mas, após o 11 de setembro, com o neoconservadorismo ascendente, isso parecia cada vez mais marginal.

Pessoa com bandeira de Israel na Times Square, em Nova York
Pessoa com bandeira de Israel na Times Square, em Nova York - Michael M. Santiago - 19.out.23/Getty Images via AFP

Esses amplos agrupamentos ainda existem —os evangélicos ainda são muito pró-Israel, o presidente democrata é um liberal sionista, o movimento progressista é pró-palestino—, mas, na crise atual, podemos ver uma aliança mais complexa se formando, com implicações que vão além da questão israelense-palestina. Aqui estão algumas tendências e tendências ideológicas que valem a pena observar.

A radicalização do progressismo

Ninguém que tenha vivido o "grande despertar" da última década deveria se surpreender que o progressismo ocidental agora tenha uma postura mais radical em relação a Israel do que tinha há dez ou 15 anos, especialmente dada a mudança para a direita de Israel nesse mesmo período. Mas o quanto a retórica da "descolonização" acaba naturalmente se estendendo —ou talvez naturalmente retornando— de projetos culturais e psicológicos para apoio literal à luta armada e apologia tácita ao terror antissemita ainda parece ser uma revelação importante, uma revelação das implicações da radicalização, uma porta de entrada para um futuro muito mais violentamente dividido do que o nosso.

O surgimento de uma "rua árabe" dentro do Ocidente

Na era pós-11 de setembro, estávamos acostumados a pensar no descontentamento popular dentro dos países árabes e muçulmanos como uma importante força geopolítica por si só. Mas 2023 pode ser lembrado como o momento em que o descontentamento árabe e muçulmano começou a realmente importar também nos países ocidentais.

Os recentes protestos nas capitais europeias, em particular, são menos uma extensão de um progressismo radicalizado do que uma expressão direta de solidariedade étnica e religiosa com os palestinos por parte de imigrantes do Oriente Médio e seus descendentes. E a aliança tácita entre essa diáspora e um progressismo ocidental secular, feminista e favorável aos gays —o "islamo-gauchisme" [islamo-esquerdismo] na expressão francesa— levanta grandes questões tanto para progressistas quanto para muçulmanos conservadores sobre quem está usando quem e como a esquerda ocidental e o Islã ocidental podem evoluir juntos.

A relação instável da Europa com Israel

Em certo sentido, os movimentos de massa que protestam em nome da Palestina nas ruas europeias parecem ratificar a inclinação anti-Israel preexistente de muitos líderes europeus. Mas se a Europa está se movendo para a direita como um todo, tornando-se mais cética em relação à imigração em massa, mais temerosa da islamização e do terrorismo e mais protetora de sua cultura nativa à medida que envelhece —bem, então, você pode facilmente imaginar a simpatia europeia pela posição israelense aumentando, com o medo de um inimigo islamista interno impulsionando a identificação com Israel no exterior.

E, de fato, sinais disso já são visíveis: o escritor britânico Aris Roussinos observou recentemente que os comentários no Reino Unido agora parecem ser um pouco mais simpáticos a Israel do que os comentários americanos, enquanto do outro lado do Canal da Mancha, as tentativas de Emmanuel Macron de reunir uma grande coalizão anti-Hamas e a proibição de manifestações pró-palestinas por parte de seu governo pertencem a uma paisagem muito diferente do que a do mundo de 2005.

Os dilemas dos judeus progressistas e dos democratas sionistas

Se as pressões sobre as elites europeias vêm de várias direções, as pressões sobre judeus americanos e sionistas dentro da coalizão democrata empurram apenas em uma direção: para a direita. Judeus progressistas que se consideravam pró-paz, pró-palestinos e anti-Likud [partido do premiê, Binyamin Netanyahu] terão muita dificuldade em se sentirem em casa dentro de um movimento progressista que parece conflituoso ou paralisado quando é solicitado a condenar o Hamas. Liberais sionistas que estão mais próximos do centro político podem se consolar com o fato de que sua visão de mundo ainda é compartilhada pela maioria dos políticos do Partido Democrata, incluindo o presidente democrata. Mas a guinada para a esquerda na política da legenda tem sido uma força poderosa, e a renovação geracional significa que os ativistas progressistas podem ter a chance de remodelar o partido à sua própria imagem em breve. Nesse ponto, para onde poderiam ir os democratas sionistas, se não em direção ao conservadorismo real?

Um neoconservadorismo reconstituído, um sionismo cristão resiliente

Uma coisa que os apoiadores liberais de Israel descobrirão se se moverem para a direita é a nova variação do neoconservadorismo. Esta não é a versão da era George W. Bush, com sua confiança na força dos EUA e sua estratégia grandiosa e belicista. Em vez disso, é uma aliança mais incoerente contra o que o progressismo está se tornando. Muitos de seus membros ainda se sentem desconfortáveis em se associar ao Partido Republicano trumpista, mas estão intensamente alienados do progressismo para pertencerem à coalizão de centro-esquerda. Isso faz com que seja um movimento mais parecido com o neoconservadorismo da década de 1970 —uma casa para intelectuais insatisfeitos com suas opções, mas claramente inclinados para a direita.

A outra coisa que os sionistas que se movem para a direita encontrarão é o apoio evangélico resiliente a Israel, que persistiu através de todas as desilusões das últimas duas décadas, de toda a anti-idealização da política externa da era Trump. Essa afinidade duradoura, incorporada, por exemplo, nas declarações pró-Israel do novo presidente da Câmara, reflete não apenas as expectativas dispensacionalistas do apocalipse, mas também um senso generalizado e muito americano-protestante dos vínculos entre a República Americana e o Povo Escolhido, o Novo Mundo e a Bíblia Hebraica, que remontam aos fundamentos dos EUA.

Também é uma visão de mundo que muitos judeus americanos, especialmente os judeus seculares, consideram peculiar ou suspeita. A questão é se essa suspeita diminuirá se o Partido Democrata não parecer mais um porto seguro para o seu sionismo.

As atitudes incertas da direita alienada

Uma coisa que até agora impediu muitos judeus de se moverem para a direita é o medo do antissemitismo de direita, o tipo de xenofobia que a campanha de Donald Trump em 2016 parecia conscientemente incitar. O governo real de Trump foi pró-Israel, de fato, muitas vezes mais pró-Israel do que o de seus predecessores republicanos, mas ao longo de linhas extremamente transacionais —basta observar a reação inicial de Trump aos ataques do Hamas, que foi reclamar das várias maneiras pelas quai Netanyahu o havia decepcionado. E uma mentalidade de "América Primeiro", juntamente com outras formas de política de direita bastante distintas tanto do neoconservadorismo quanto do evangelicalismo pró-Israel, claramente importa mais para o conservadorismo americano hoje do que há 15 anos.

Entre meus colegas católicos conservadores, por exemplo, há uma raiva duradoura contra George W. Bush por invadir o Iraque e permitir que o cristianismo do Oriente Médio fosse devastado pelas guerras subsequentes, e uma sensação de que Israel foi cúmplice desse projeto imprudente. Entre os vitalistas e niilistas da direita pós-cristã e certos outros influenciadores da extrema direita, há muitas teorias conspiratórias e antissemitismo. E, então, a coalizão republicana da era Trump inclui um grande número de americanos não religiosos, descontentes e da classe trabalhadora, para quem os sentimentos pró-Israel podem parecer, ou já parecem, uma crença de luxo, uma província das elites que eles desprezam.

Minha suposição é que, apesar desses espectros à direita, a longo prazo, você deve apostar em um movimento mais à direita entre os judeus americanos, provavelmente acelerado pelas maiores taxas de natalidade dos já mais conservadores ortodoxos. Mas, principalmente, você deve apostar na instabilidade, tanto à direita quanto à esquerda, à medida que as pessoas se confrontam com o que o novo debate sobre Israel e os palestinos revela sobre o quanto o mundo ocidental já mudou e o quanto mais mudanças estão por vir.

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