É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Lambendo sabão
RIO DE JANEIRO - A notícia de que o festival "Jean-Luc Cinéma Godard", em cartaz no Rio, em SP e Brasília, inclui cinco comerciais de publicidade rodados pelo diretor mais radical do cinema caiu como uma bomba no coração dos que, como eu, passaram os anos 60 rezando pela cartilha de Jean-Luc. "O quê? Godard dirigiu comerciais???", exclamei. Se ele nunca se vendeu a Hollywood e só trabalhou com quem e como quis, por que se rebaixou a filmar propagandas de jeans, cigarros e loção pós-barba?
Para minha desgraça, os maiores godardianos que conheci, os críticos José Lino Grünewald, Mauricio Gomes Leite (Godard Leite, para os amigos) e Haroldo Marinho Barbosa, já não estão entre nós. Só eles poderiam ajudar a entender essa guinada. Sim, porque Godard era um processo. De "Acossado", em 1959, a "Week-End à Francesa", em 1968, cada um de seus 15 filmes daquela fase foi um fascinante passo em direção a um beco sem saída.
No começo, Godard só estilhaçava a narrativa. Aos poucos, foi intercalando-a com toda espécie de grafismos, mas ainda assim era uma narrativa. Já no fim, esta desapareceu de vez e os atores se limitavam a fazer pregações políticas na tela. Para Godard, cinema e revolução eram uma coisa só. Mas, em maio de 1968, ele anunciou: abandonara o cinema "burguês" e só faria filmes para operários, sem atores, a ser exibidos em sindicatos. Era um suicídio, mas fazia sentido –pensávamos. Godard chegara ao fim do beco. Nós, os cinéfilos, que fôssemos lamber sabão.
Subitamente órfãos, tivemos de nos contentar com Woody Allen, Coppola, Bertolucci e os demais cineastas que surgiram nos anos 70. Não sabíamos que, entre um e outro filme-comício, Godard estava vendendo sabonetes, lingerie e pasta de dente para dondocas.
Nem ele escapou ao discreto charme da burguesia.
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