Comentei aqui outro dia que, nesta época, há 60 anos, estava sendo gravado o pioneiro LP "Canção do Amor Demais", com as canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes na voz de Elizeth Cardoso e com João Gilberto ao violão. E contei que o disco saíra por um selo micro, chamado Festa, do jornalista Irineu Garcia. Diante disto, mais de um leitor quis saber quem era Irineu Garcia e desde quando um jornalista tinha cacife para tal empreendimento.
Não tinha. Irineu era pobre. O paletó e a gravata —nunca foi visto sem eles— apenas escondiam que, às vezes, ele não sabia de onde viria seu próximo uísque. A Festa cabia numa salinha no centro do Rio, não muito longe da sua verdadeira sede, o bar Vilarino, onde Irineu encontrava amigos que fariam tudo por ele sem cobrar nada, como Otto Lara Resende, Rubem Braga, Jorge Amado. Este era seu principal capital —a amizade.
Em sua curta existência, de 1956 a 1965, a Festa lançou 103 LPs de poetas lendo seus poemas —Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles e o chileno Pablo Neruda foram só alguns—, de compositores brasileiros como Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone ou Claudio Santoro, e da melhor música popular possível. Um catálogo de primeiro mundo.
Não havia então leis de incentivo e ministérios da Cultura —Irineu era seu próprio incentivo e ministério. Contando tostões, pagava os custos de gravação e prensagem no estúdio da Odeon. O Itamaraty lhe comprava um lote de exemplares para distribuição no Exterior, e o resto da tiragem ia para as lojas disputar com o hit parade.
Irineu morreu em 1984, aos 64 anos. Sua coleção, hoje sob a guarda de sua sobrinha Gracita Garcia Bueno, continua à espera de quem a reedite integralmente, em qualquer formato, para glória da cultura brasileira.
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