No dia 26 de fevereiro de 1917, a Original Dixieland Jass Band (assim mesmo, com os dois esses) gravou em Nova York o que seria depois considerado o primeiro disco de jazz da história: o 78 r.p.m., selo preto, contendo, no lado A, “Dixie Jazz Band One-Step” (assim mesmo, com os dois zês), e, no B, “Livery Stable Blues”. A ODJB, como ficaria famosa, era um grupo de New Orleans liderado pelo trompetista Nick La Rocca. Os outros componentes encarregavam-se do clarinete, trombone, piano e bateria. Eram brancos.

Brancos??? Sim. Por causa disso, 101 anos depois, a cada aniversário desta gravação, continua-se a resmungar que, naquele dia, com tantos grandes músicos negros em New Orleans, a gravadora, a branquíssima Victor Talking Machine Co., tinha, claro, de escolher uma banda branca para lhes roubar a música. É uma história boa de contar. Mas a verdade é outra.

Desde pelo menos 1914, músicos negros e brancos já estavam tocando uma mistura de ritmos negros com harmonias brancas nos bordéis, cabarés e teatros de New Orleans. E, muitas vezes, tocando juntos, sem distinção de cor. Ninguém se sentia dono daquele estilo sem nome, gerado de criação coletiva e de que só se sabia que devia ser tocado alto, acelerado e “com muito jass” ou “jazz” —tesão, no jargão local.

Havia um músico talvez mais vaidoso do que outros: o trompetista negro Freddie Keppard. Em 1916, a insidiosa Victor propôs-lhe gravar um disco. Keppard se recusou. Disse que, se o ouvissem em disco, todos aprenderiam seus truques. A Victor, então, voltou-se para a ODJB, que acabara de deixar New Orleans e estava tentando a sorte em Nova York.

“Livery Stable Blues” vendeu 1 milhão de cópias e abriu o caminho para Louis, Bessie, Duke, Fats, Ella, Billie, Count, Prez, Dizzy, Bird, Miles, Monk, Mingus. Mais alguma queixa?