Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

A parte engoliu o todo

O Brasil de que a Muzema fazia parte é hoje um quisto dentro de uma grande Muzema

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Área em que dois prédios desabaram na comunidade da Muzema, no Rio
Área em que dois prédios desabaram na comunidade da Muzema, no Rio - Sergio Moraes/Reuters

Jorge Pontes, ex-delegado da Polícia Federal e coautor do livro “Crime.gov.”, que acaba de sair, disse ao jornal O Globo uma frase que permite extrapolações: “Não há uma fraude no Brasil. Há um país dentro de uma fraude”. 

A parte engoliu o todo, interpreto eu, e isso está à vista em qualquer lado para que se olhe. A tragédia da Muzema, por exemplo, em que dois prédios desabaram no dia 12 último matando 24 pessoas, não foi uma fatalidade provocada pela chuva e pelos deslizamentos. Foi normal. O que espanta é que tragédias semelhantes não aconteçam todo dia e em toda parte. Parafraseando Jorge Pontes, o Brasil de que a Muzema fazia parte parece estar agora se reduzindo a um quisto na grande Muzema.

É um país que cresce à margem das estradas, das vias expressas e das lagoas, sobe pelas encostas ou se espalha pelas periferias das cidades. Só o conhecemos pela janela do carro, quando passamos por ele em velocidade. É formado por predinhos de tijolo aparente, todos com puxadinhos de dois ou mais andares, construídos pelos próprios moradores —cada qual servindo de engenheiro, arquiteto, mestre de obras e pedreiro. Os tetos sustentam as paredes. O Brasil mora neles.   

Mas engana-se quem pensar que ali é terra de ninguém, onde qualquer um pode chegar e erguer sua casinha. Cada centímetro já foi mapeado por alguém que chegou primeiro, fincou seu marco e criou sua versão de um mercado imobiliário, com entrada, prestações e parcelas intermediárias. Há valores diferentes em função da localização e de quantos andares.

A Muzema propriamente dita, a que caiu, é apenas uma sofisticação desse processo. Não são predinhos de tijolos, mas edifícios de seis andares, com 24 ou 40 apartamentos, construídos e explorados pelas milícias —as quais têm no bolso a polícia, as associações de moradores, os moradores, a simpatia do poder e, daí, o país. 

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