Outro dia, no silêncio da madrugada, ouvi o som de um bongô. Fui à janela e tentei localizá-lo. Tanto podia vir da praia quanto de um prédio distante. Seja como for, era absurdo. O bongô é um instrumento fora de moda há 50 anos. Os músicos o abandonaram, assim como fizeram com a tuba e o oficleide, e os ouvintes de hoje já não devem distingui-lo de um batedor de ovos.
Para quem não sabe, o bongô são —eram— dois pequenos tambores acoplados, que se prendiam entre as pernas e se tocavam com os dedos. O couro era afinado para que um soasse mais grave e o outro, mais agudo. Foi inventado em Cuba em alguma noite do século 20, abrilhantou muitas orquestras de mambo e chá-chá-chá e, nos anos 50, extrapolou os limites de Havana. Virou uma epidemia —em toda parte, até em reuniões de intelectuais, alguém aparecia com um bongô, metia-o entre os joelhos e se punha a tamborilar.
Jack Lemmon tocava bongô numa boate do Village em "Sortilégio de Amor" (1958), filme com James Stewart e Kim Novak. O nosso Jô Soares também o tocava e gravou um disco com o conjunto do americano Steve Allen. E até a irmã de um amigo meu o tocava, de saia e tudo.
Por aquela época, surgiu o som estereofônico, e as gravadoras precisavam demonstrar a separação do som entre os canais. Para isso lançaram LPs que reproduziam partidas de pingue-pongue —pingue numa caixa, pongue na outra— e ruídos do gênero. Mas as pessoas logo se cansaram de discos de pingue-pongue e surgiram grandes LPs de percussão, em que os standards americanos ganhavam tempero latino na interpretação de Jack Constanzo, Terry Snyder, Joe Loco. Sob seus dedos, os bongôs voavam de uma caixa a outra a ponto de nos calejar os ouvidos. E, de repente, nos anos 70, os bongôs sumiram, extinguiram-se.
Voltei a escutar o bongô nas últimas madrugadas. Se for um bongô-fantasma, que ótimo que esteja vindo me assombrar.
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