Um dos prazeres de ser fã de Alfred Hitchcock (1899-1980) é saber que não eram só os personagens de seus filmes que ele deixava na ponta dos pés. Fazia isso também na vida real. Às vezes, num elevador apinhado, dizia casualmente a alguém: "Como eu podia adivinhar que uma punhalada provocaria aquele banho de sangue?". Ou, num jantar formal, ao perguntar aos convidados como eles gostariam de ser assassinados, sugeria o envenenamento pela comida como um dos métodos mais classudos e indetectáveis.
Uma vítima de suas doces torturas era sua filha Patricia, nascida em 1928. Quando Pat era criança, ele a maquiou de palhaço enquanto ela dormia, para ver seu susto ao se olhar no espelho ao acordar. Em seu filme "Pacto Sinistro" (1951), em que uma mulher de óculos é estrangulada, Hitchcock usou o pescoço de Pat, que fazia uma coadjuvante também de óculos, para ensinar a Robert Walker, no papel do assassino, como esganar alguém com perfeição.
A cena final de "Pacto Sinistro" se passa num parque de diversões, e Pat insistia em que seu pai mandasse ligar a roda gigante para ela dar uma volta. Hitch concordou, mas, com ela a bordo no ponto mais alto, a roda parou, as luzes se apagaram e, por mais que gritasse apavorada, ninguém a escutava --as pessoas pareciam ter ido embora. Era mais uma de Hitch. Levou uma hora para aparecer alguém e fazê-la descer.
Com tudo isso, Patricia, que morreu nesta segunda (9), aos 93 anos, sempre foi uma filha amorosa e revelou-se decisiva para que o legado de Hitchcock se eternizasse.
A pedagogia hitchcockiana funciona. O falecido Antonio Moniz Vianna, histórico crítico de cinema, não se conformava com que seu neto Eduardo, de cinco aninhos, não tivesse paciência para ver filmes. Imagine um neto de Moniz Vianna não ser cinéfilo! Mas Moniz resolveu o problema: passou para Eduardo a cena do chuveiro de "Psicose". O garoto se amarrou e apaixonou-se pelo cinema.
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