Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Mudos, surdos e mortos

Assim acabaram os velhos telefones e assim será com os smartphones que tomam horas de fila para comprar

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Uma das poucas coisas de que as pessoas ouviram falar sobre dom Pedro 2º é que, numa viagem aos EUA, ele conheceu um jovem inventor chamado Graham Bell e se empolgou com um aparelho que este acabara de inventar e tentava em vão mostrar às pessoas: o telefone. O fato é real e aconteceu na Exposição do Centenário da Independência Americana, na Filadélfia, em 1876, para a qual d. Pedro foi convidado. Por isso, pouco depois, o Rio foi a primeira cidade do mundo fora dos EUA a ter telefone. O aparelho ligava o Paço Imperial, na atual praça 15, ao Paço de São Cristóvão, atual Museu Nacional.

Quando se pensa no papel do telefone durante o século 20 —no que ele representou na história das comunicações e de tudo que passou a depender dele—, é quase impossível avaliar o significado do gesto de d. Pedro. O reinado do telefone durou 120 anos, até que ele cedeu o lugar ao celular. O resto, todos sabem. Só não sabemos como será em cinco ou 10 anos.

Num domingo recente, dei um pulo à feirinha dominical de antiguidades da praça do Jóquei, na Gávea, aqui no Rio. Sobre as bancadas, disputando espaço com aparelhos de rádio e ventiladores arcaicos, um batalhão de telefones pretos e vermelhos, de mesa ou de parede, de disco ou de botões, e outros formatos em que eram fabricados. Todos mudos, surdos e mortos. Estavam ali à espera de um colecionador ou nostálgico que os comprasse para usar como peça de decoração. Ao passar por eles, pensei em quantas vezes não foram tirados do gancho para se fechar um negócio, conversar fiado ou fazer uma jura de amor.

Eu sei, parece piegas. Mas é só para dizer que os smartphones de última geração usados hoje, talvez comprados depois de horas na fila de uma loja da Apple desde a madrugada, também acabarão um dia nas bancadas da feira da Gávea. Ou no lixo.

De eterno e definitivo, nem as juras de amor trocadas através deles.

Feira de antiguidades no vão livre do Masp, na avenida Paulista - Pedro Saad - 13.out.14/Folhapress

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