Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu Semana de 1922

Ta-ra-tã, ta-ra-tã

Tentei ler O Estrangeiro, do modernista Plinio Salgado. Parei para não entrar em rigor mortis

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Tirei o fim de ano para pagar uma dívida de séculos comigo mesmo: ler "O Estrangeiro", de Plinio Salgado. É um romance de 1926, no apogeu do Modernismo, do qual ele fazia parte. Incrível como a antipatia por alguém faz com que tentemos apagá-lo da história, não? Como se ele não devesse ter existido. O problema é que ele existiu e, pior, continuou existindo.

Plínio Salgado, como se sabe, ficaria famoso pelo integralismo, o movimento político de extrema direita que ele lançou em 1932. Plínio e seus seguidores se fardavam, usavam braçadeiras com um símbolo tipo suástica e se saudavam esticando o braço e gritando "Anauê!", palavra talvez tupi que podia significar "Salve!". Suas ideias se inspiravam no nazifascismo, com o qual ele mantinha cordiais relações. Em cinco anos de existência, o integralismo atraiu centenas de milhares de militantes e esteve muito perto do poder. Bolsonaro foi um sucessor do integralismo.

Plinio foi um dos poetas da Semana de Arte Moderna, em 1922, e colaborou na Revista de Antropofagia, de Oswald de Andrade. Como a exigente revista é de 1928-29, deduz-se que, em 1926, ano de "O Estrangeiro", ele ainda integrava alegremente o movimento. E com razão: o livro é todo escrito na decantada "prosa telegráfica", típica dos modernistas. Exemplos:

"Os cabos tratores assobiavam como gemidos de frio da serra invernosa na manhã brumosa. Homens brancos e mulheres de tamancos. Sol." "Paisagem ciranda, montanhas rodando à roda, mãos dadas. Velocidade, ta-ra-tã, ta-ra-tã, e o espírito corre-corre da saudade e da esperança." "O silêncio pesado, com arrepios de plátanos e o ritmo das respirações no dormitório travassanguíneo." "As ruas trepavam estreitas no morro, com alpendres em flor, como presépios e idílios. Planície, cartazes, chalés."

Corrigindo: continuo sem ler "O Estrangeiro". Parei na página 20, antes de entrar em rigor mortis.

A folha de rosto da 1ª edição de "O Estrangeiro" e a capa de um livro de ensaios sobre Plinio Salgado
A folha de rosto da 1ª edição de "O Estrangeiro" e a capa de um livro de ensaios sobre Plinio Salgado - Heloisa Seixas

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