Karla Monteiro

Jornalista e escritora, publicou os livros "Karmatopia: Uma Viagem à Índia", ​"Sob Pressão: A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro" (com Marcio Maranhão) e "Samuel Wainer: O Homem que Estava Lá​"

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Fascistas hibernam quando o líder desaparece

Plínio Salgado foi para a Europa, Bolsonaro pode ir para Bangu

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Por pouco, Aparício Torelly, o autoproclamado Barão de Itararé, pioneiro do humor político, não enfiou a camisa verde dos seguidores de Plínio Salgado. Conforme a piada, ao ouvir pela primeira vez o lema integralista, entendera "adeus, pátria e família". Fosse assim estava dentro. Eu também, diga-se de passagem.

Na pipoca do carnaval pela democracia, no último domingo, em Belo Horizonte, só pensava nisto: o Brasil não combina com o fascismo. Da praça da Liberdade à praça Raul Soares, no arrastão de blocos, ia descendo o país misturado, alegre e anárquico, que beija na boca e mexe as cadeiras, que se fantasia e canta marchinhas do tempo do Barão de Itararé.

O jornalista e escritor Barão de Itararé durante entrevista ao jornal Última Hora - Acervo UH - 16.abr.58/Folhapress

Foram, aliás, três fortes experiências visuais nas longas semanas de campanha eleitoral: a primeira, no Sete de Setembro bolsonarista. A terceira, o carnaval lulista. Entre uma e outra, a leitura do livro "O Fascismo em Camisas Verdes: do Integralismo ao Neointegralismo", de Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto.

No próximo domingo, além de escolher entre a civilização e a barbárie, estaremos fazendo esta escolha estética. Claro, Bolsonaro também é Brasil. Um Brasil esquisito, que se veste de verde e amarelo, enverga símbolos patrióticos, mas idolatra a estátua da Liberdade. O Brasil do fascismo lambão, digamos assim, de Rider e camisa da seleção, ao som de Gusttavo Lima.

Anauê

Naquele longínquo Sete de Setembro, logo que cheguei à praça da Liberdade, avistei bandeiras integralistas. Curiosa a distância estética que separa os dois movimentos de cunho fascista, o bolsonarismo e o integralismo, que hoje se encontram na figura bizarra do "padre" Kelmon. Como se o fascismo de Bolsonaro fosse um pastiche, uma paródia do original.

Segundo a obra de Leandro e Odilon, Plínio Salgado apostara todas as fichas na construção simbólica da AIB (Ação Integralista Brasileira), nascida no começo dos anos 1930, quando Benito Mussolini já triunfara na Itália. Inclusive fora numa visita ao Duce que começara a arquitetar a AIB, considerada a mais bem-sucedida experiência fascista da América Latina.

Ao contrário de Bolsonaro, Plínio Salgado sabia comer de garfo e faca, autointitulando-se um intelectual: "É preciso que nós, intelectuais, tomemos conta do Brasil. Definitivamente. Temos que romper com a tradição medíocre da política", pregava, ao preparar as bases do movimento.

Tudo no integralismo fora desenhado para impressionar a massa —e tudo tinha significado, cada detalhe. Na concepção de Plínio Salgado, a doutrina seria incompreensível ao ignorante povo. Restava comover e injetar o orgulho de se vestir com a camisa verde, adornada pela braçadeira com a letra grega sigma, um símbolo matemático que indicava o projeto de um Estado único e integral.

Ao longo das páginas, vamos adentrando um mundo paralelo, que oferecia aos seguidores a receita completa para a nova sociedade que brotaria da vitória final, calcada nos valores patriarcais. Até os enterros e batizados integralistas contavam com o próprio ritual. O Papai Noel fora substituído pelo Vovô Índio, coberto de penas. A tradicional indumentária vermelha, criação da Coca-Cola, propagava o imperialismo.

Eles passarão

Em torno da figura messiânica de Plínio Salgado, os integralistas fizeram muito barulho nos anos 1930. Até 1937, quando o Estado Novo aniquilou os partidos políticos. "Anauê", gritavam uns para os outros, na saudação que significava "você é meu parente". No auge do movimento, chegaram a ter 138 jornais e também a própria produção cinematográfica. Os desfiles reuniam milhares, marchando com o braço estendido, à moda do fascismo europeu.

Em 1938, os integralistas tentaram até matar Getúlio Vargas, que resistiu de arma na mão. A invasão do Palácio do Catete é uma cena cinematográfica. Enquanto não chegava reforço, estranhamente demorado, a família do presidente ficara cercada, defendendo-se como podia. No dia seguinte, seria encontrada uma bala no espaldar da cadeira do ditador.

Nas muitas leituras que correm as redes sociais, mesmo que Lula vença no dia 2 de outubro, em surpreendente primeiro turno, estamos perdidos. A extrema direita que emergiu com Bolsonaro não irá desaparecer. Mas prefiro olhar neste retrovisor da história: os fascistas passam —ou hibernam— quando o líder desaparece. Plínio Salgado fora para a Europa. Bolsonaro, provavelmente, seguirá para Bangu.

Se tudo correr como indicam as pesquisas, "adeus, pátria e liberdade".

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