Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa
Descrição de chapéu indústria

Agenda equivocada na indústria

Programa para carros contraria agenda ambiental e ajuste das contas públicas

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Nas últimas décadas, houve forte queda da participação da indústria no PIB brasileiro. Do pico de 34%, em 1985, para os atuais 10%. Parte significativa da queda deve-se a dois fatos não ligados diretamente ao desempenho do setor.

Primeiro, dado que o progresso tecnológico é maior na indústria, o preço dos bens industriais relativamente ao preço dos serviços reduz-se. O valor da participação cairá naturalmente.

O segundo motivo é que, nas séries antigas, não se mensurava bem o tamanho dos serviços, e, portanto, o produto total do país era subestimado.

Linha de produção da fábrica da Mercedes Benz no Brasil, em São Bernardo do Campo - Paulo Whitaker/Reuters

Corrigindo esses dois fatores, meu saudoso colega do FGV Ibre Regis Bonelli mostrou que o pico nos anos 1980 foi de 24%, não de 34%. Mesmo assim, houve, de meados dos anos 1980 até hoje, forte queda de 14 pontos percentuais do PIB.

Assim, cabe uma reflexão sobre a queda da participação da indústria no PIB, para além dos fatores elencados nos parágrafos anteriores.

Um primeiro motivo é comum a todas as economias: o crescimento econômico reduz a demanda por bens relativamente à demanda por serviços. Em economês, diz-se que serviços apresentam elevada elasticidade-renda da demanda. Da mesma forma que, na primeira metade do século 20, houve a transição da agropecuária para a indústria, nas últimas décadas temos passado pela transição da indústria para os serviços.

Ou seja, em grande medida a queda da participação da indústria no PIB é um fenômeno normal e compartilhado por inúmeras economias.

No entanto, as economias asiáticas apresentam participação da indústria no PIB bem maior. Os economistas heterodoxos/desenvolvimentistas enfatizam a política industrial e a existência de subsídios concedidos por bancos de desenvolvimento. Há dois fatores que nossos colegas desenvolvimentistas esquecem.

O primeiro é a elevadíssima taxa de poupança das economias asiáticas. Há um efeito direto da elevada taxa de poupança sobre a indústria e um efeito indireto. O efeito indireto é mais simples: elevada poupança conduz a juros domésticos menores e, portanto, barateamento de um fator de produção, o capital, empregado intensamente pela indústria de transformação.

O efeito direto é sobre a composição da demanda. Se a poupança é elevada, o consumo é baixo. Se o consumo é baixo, o país irá apresentar superávit externo. Bens são mais transacionáveis internacionalmente do que serviços. Quem poupa muito exporta muito e, consequentemente, produzirá mais bens.

A elevada poupança dos países asiáticos deve-se ao baixíssimo Estado de bem-estar que vigora por lá. Para ter uma ideia, basta olhar para os gastos previdenciários. O Japão tem quatro vezes mais idosos, como proporção da população, do que o Brasil, e, no entanto, não gasta mais com aposentadorias do que nós.

O segundo fator que os economistas desenvolvimentistas esquecem é que os asiáticos construíram sistemas públicos de educação fundamental de elevadíssima qualidade. Há fartura de mão de obra qualificada.

Esses dois fatores —elevada poupança e elevada qualidade da qualificação da força de trabalho— explicam muito melhor a elevada participação da indústria no PIB do que o BNDES deles.

Por aqui, o governo anuncia programa para subsidiar carros a combustível fóssil para a classe média. Medida contra as agendas de meio ambiente nas cidades (qualidade do ar e congestionamento das vias públicas), de transição energética e de ajuste das contas públicas por meio de redução do gasto tributário (isenção tributária), que tem sido reiteradamente denunciado pelo ministro Haddad. Continuaremos na vanguarda do atraso.

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