Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Lula, a Vale e o déficit democrático do PT

Fala do presidente é incompatível com a alternância de governo em uma democracia

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Na terça-feira (27), Lula concedeu entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da RedeTV!. Chamaram muito a atenção as falas do presidente sobre a companhia Vale. Surpreendeu-me a seguinte passagem:

"A Vale tem que saber o seguinte: não é o Brasil que é da Vale, é a Vale que é do Brasil. Não é o Brasil que tem que prestar contas para a Vale; é a Vale que tem que prestar contas para o Brasil. E sempre foi assim".

Lula participa de evento na Guiana
Lula participa de evento na Guiana - Keno George/AFP

"Quando o Roger [Agnelli] era presidente [da Vale], eu tive uma extraordinária relação com o Roger. O que aconteceu na saída do Roger? A gente estava tentando reconstruir a indústria naval brasileira. A gente queria construir navio grande. De repente a Vale vai e contrata três grandes navios de 400 mil toneladas na China. Aí eu chamei o seu Lázaro Brandão, que era o presidente do Bradesco, e falei: ‘Não é possível mais a gente estar fazendo uma política industrial de reconstruir a indústria naval e o cidadão diz que a Vale não vai comprar’. Então tiramos ele [Roger Agnelli], sabe." (...)

"Mas a gente não pode... A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil. Não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil. Então o que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É só isso que nós queremos."

A fala do presidente é incompatível com a natural alternância de governo em uma democracia. Muda o governo, muda o "pensamento de desenvolvimento do governo" e, portanto, a empresa precisa adequar seu plano de negócios ao novo mandatário? Tentar colocar o plano de negócios de uma empresa a serviço do projeto econômico e político de um governo revela a dificuldade que o PT tem com a democracia.

A função da Vale é gerar lucro para seus acionistas e impostos para o Tesouro. Ela precisa zelar pelo meio ambiente e ser punida quando se descuida e protagoniza desastres ambientais, além de ressarcir os prejuízos e os prejudicados.

Fica claríssimo na fala do presidente que, em sua avaliação, o capitalismo de Estado, promovido por ele no seu segundo mandato e ao qual Dilma deu continuidade, funcionou.

Como é possível que o presidente tenha esse entendimento após o desastre de 2014 até 2016? O presidente acredita que nossa grande crise seja fruto da Operação Lava Jato e também culpa de Aécio. Não teria sido um sinal, portanto, de que o capitalismo de Estado petista deu errado.

No capítulo "Lava Jato e implicações econômicas intersetoriais", incluído na coletânea "Operação Lava Jato, Crime, Devastação Econômica e Perseguição Política" (livro organizado por Fausto Augusto Jr, José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, e Antonio Alonso Jr.), os autores avaliam que, se não tivesse existido a operação, o crescimento em 2015, 2016 e 2017 seria de, respectivamente, -2,5%, -2,1% e 2,4%, em vez dos observados -3,6%, -3,3% e 1,3%. Notem que, mesmo assim, a recessão teria sido profunda.

No entanto, as hipóteses do exercício têm uma clara deficiência: consideram que toda a queda do investimento da Petrobras em relação ao planejado foi causada pela Lava Jato. Essa hipótese não leva em conta que os níveis de endividamento da empresa eram da ordem de cinco vezes a geração de caixa. Petroleiras com esse nível de alavancagem enfrentam fortíssima elevação do custo do financiamento, o que inviabiliza a manutenção dos investimentos. Um cálculo que considere esse canal deve produzir valores bem menores para o impacto da operação sobre o crescimento no período.

A incapacidade de aprendermos nos mantém amarrados à armadilha na renda média.

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