Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Sergio Firpo
Descrição de chapéu mercado de trabalho

Reserva de vagas no mercado de trabalho pode ter impactos positivos na economia

Grupos devem ser priorizados apenas quando há discriminação no acesso

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O mercado de trabalho formal brasileiro tem dificuldades de incorporar os trabalhadores socialmente vulneráveis. Por exemplo, antes da pandemia, em 2019, entre os trabalhadores ocupados que pertenciam a famílias com renda per capita inferior a 90% das demais famílias, menos de 5% tinham carteira de trabalho assinada. Já nas famílias com renda per capita superior a 90% das demais, entre os indivíduos ocupados, mais de 60% tinham carteira de trabalho assinada.

Por outros critérios individuais para além da renda familiar, como raça, idade e gênero a subrepresentação também existe. A constatação de que existe importante barreira no acesso ao mercado formal de trabalho para determinados grupos tem levado diversos países, e o Brasil não é exceção, à adoção de cotas nos postos de trabalho.

Essa não é uma solução consensual. Em condições de competição perfeita nos mercados de trabalho, a introdução de cotas distorce a alocação ótima de trabalhadores às firmas. Ocorre que o mercado de trabalho brasileiro, bem como a maior parte dos mercados de trabalho mundo afora, não é perfeitamente competitivo. As firmas têm alguma capacidade de exercer poder de mercado, reduzindo a demanda por trabalho e colocando salários abaixo da produtividade do trabalho. Nesses casos, cotas podem ser social e economicamente desejáveis.

Carteira de trabalho e Previdência Social - Gabriel Cabral/Folhapress

Em recente trabalho, Christiane Szerman, pesquisadora da Universidade de Princeton, mostra que a lei de cotas para pessoas com deficiência, criada em 1991, teve efeitos positivos em várias dimensões. A lei estabelece percentuais mínimos na composição da força de trabalho nas empresas com pelo menos cem empregados em escala crescente. Para empresas com 100 a 200 empregados, pelo menos 2% devem ser pessoas com deficiência; para empresas com 201 a 500, 3%; 501 a 1000, 4%; e com 1001 ou mais, 5%.

Szerman não encontra efeitos negativos relevantes sobre emprego e salário dos trabalhadores sem deficiência. Tampouco há evidências de que as empresas passem a arcar com custos altos demais que afetassem a sua sobrevivência no mercado. De maneira geral, ela mostra que, em mercados de trabalho sob concorrência imperfeita, a exigência de aumentos modestos nas vagas para os desfavorecidos pode promover redistribuição e melhorar o bem-estar da população.

Como esses resultados podem ser transpostos para exigência de reserva de vagas para outros grupos? Poderíamos, por exemplo, dizer que a adoção de cotas para jovens seria também social e economicamente desejável?

Nesta semana o Congresso esteve para votar o Estatuto do Jovem Aprendiz, que regulamenta a adoção de vagas de trabalho para jovens de até 24 anos de idade. O relatório sobre o Projeto de Lei 6.461 de 2019 acabou sendo retirado da pauta de votação na Comissão Especial criada para sua apreciação.

O Programa Jovem Aprendiz, criado pela Lei 10.097 de 2000, tem como finalidade a inserção de jovens de 14 a 24 anos no mercado formal de trabalho. Empresas de médio e grande porte devem contratar de 5% a 15% de aprendizes, dependendo do número total de funcionários. O PL 6.461/19 estabelece uma série de regras para que o jovem possa preencher a vaga pelo Programa. Entre elas, há a exigência de cumprimento da carga horária em cursos oferecidos por entidades habilitadas.

Mas se as cotas para pessoas com deficiência são instrumento eficaz para combater subrepresentação no mercado de trabalho, seriam as cotas para jovens um instrumento igualmente desejável?

Jovens de 14 a 18 anos deveriam estar em período integral no ensino médio. Esse deveria ser o foco de nossos legisladores. A entrada no mundo profissional deveria ser feita via capacitação promovida pela educação profissional e tecnológica. A oferta de cursos no ensino médio técnico pelas redes estaduais e setor privado deveria estar alinhada com a demanda das empresas. Estudos recentes mostram como egressos do ensino médio técnico, em comparação com os do médio regular, têm vantagens no mercado de trabalho formal.

Não será com requerimentos de capacitação "teórica" oferecida por certificadoras atuando em ambiente de baixa competição que se garantirá nem a formação necessária para o mundo do trabalho nem a perenidade na formalidade.

Reserva de vagas no mercado de trabalho pode ter impactos positivos para a economia, mas apenas quando grupos priorizados enfrentam discriminação no acesso. Não parece ser o caso dos jovens, que ainda estão investindo em capital humano. Ainda que a taxa de desemprego nesse grupo etário seja alta, isso não é reflexo de discriminação, mas da baixa qualificação desse grupo.

A obtenção de experiência no mercado de trabalho é fundamental, mas nessa fase de formação, sobretudo na faixa etária de 14 a 18 anos, ela deveria servir aos propósitos da educação formal.

Cotas, no caso dos jovens, podem ter efeito inverso ao desejado. O estímulo ao ingresso precoce e não qualificado no mercado de trabalho pode estar a serviço de muitos, mas certamente não a serviço do futuro dos jovens vulneráveis.

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