Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Sergio Firpo
Descrição de chapéu mercado de trabalho

'Damarização' do debate público nos impede de refletir sobre problemas concretos

No começo da campanha eleitoral, iludimo-nos crendo que iríamos discutir aprofundamentos ou alternativas à reforma trabalhista de 2017

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A taxa de desemprego tem caído trimestre a trimestre e o salário médio da economia aumentado recentemente. São sinais positivos de recuperação do mercado de trabalho brasileiro. Contudo, estamos longe de podermos afirmar que a questão do trabalho no Brasil esteja resolvida. Os salários são baixos, a produtividade do trabalho não cresce há quatro décadas e a informalidade atinge 40% da força de trabalho ocupada. Tem-se falado muito pouco ou quase nada sobre esse assunto na corrida eleitoral, a qual tem sido marcada pela "damarização" do debate.

Desde a reforma trabalhista de 2017, o papel das instituições do mercado de trabalho tem mudado. Mas houve também duas mudanças institucionais que não estavam no bojo da reforma, mas que, combinadas, têm afetado as relações de trabalho. Criadas em 2008, os MEIs tiveram um crescimento exponencial na segunda metade da década passada. E recentemente, amparada por decisão do STF, a terceirização de um maior número de atividades que não apenas aquelas claramente classificáveis como atividades-meio passou a ter respaldo jurídico. Essas duas inovações têm feito com que contratos de trabalho passem a ser formalmente contratos de serviço, o que é conhecido pelo nome de pejotização das relações de trabalho.

Às mudanças institucionais somam-se outras mudanças relevantes, como a disseminação do trabalho por aplicativo e a popularização, a partir da pandemia, do trabalho remoto.

Motoboys de aplicativos durante protesto do início de 2021 - Marlene Bergamo-20.jan.21/Folhapress

Há, contudo, aspectos que não se alteraram, como os incentivos à alta rotatividade do trabalho gerados pela apropriação pelo trabalhador da multa do FGTS e pela desvalorização em termos reais do saldo do fundo e à informalidade, como os impostos sobre a folha.

O presidente eleito no próximo dia 30 deveria ser capaz de oferecer uma forma de lidarmos com as mudanças institucionais e estruturais no mercado de trabalho, garantindo que os incentivos perversos ao crescimento da produtividade sejam reduzidos ou não se interponham como uma barreira intransponível.

Por exemplo, como regular o mercado de trabalho por aplicativo? Quais as propostas concretas têm sido oferecidas pelos candidatos? Essa é uma questão complexa por vários motivos.

As plataformas conectam consumidores (clientes de lojas e restaurantes, passageiros) e prestadores de serviço (restaurante, entregadores, motoristas). Como há economias de rede na relação entre consumidores e fornecedores, é natural que o número de plataformas seja pequeno. Em muitos casos, há apenas uma plataforma relevante nos mercados locais.

Economias de rede surgem quando o benefício individual obtido pelo consumo de um bem ou serviço cresce conforme o número de outros consumidores do mesmo bem ou serviço. Por exemplo, um aplicativo de transporte urbano de passageiros será mais valioso para um passageiro se houver mais motoristas registrados no aplicativo.

Mas o número de motoristas registrados deve aumentar com o número de passageiros usuários do aplicativo. Quando há vários aplicativos operando simultaneamente, o número de motoristas disponíveis em uma dada plataforma será menor do que se houvesse apenas um aplicativo agregando todos passageiros e motoristas. Nesse caso, por conta das economias de rede, é de se esperar que haja uma tendência natural a existirem poucos aplicativos conectando passageiros e motoristas.

A existência de economias de rede leva à concentração. No caso das plataformas de transporte urbano por aplicativo, a concentração acontece nos dois lados: no mercado de serviços de passageiros e no mercado de trabalho de motoristas. Isso é diferente do que acontece com diversos outros setores expostos a economias de rede e que são tradicionalmente regulados, como os de utilidade pública. Quanto maior o número de pessoas com telefone, maior o benefício individual de se ter uma linha de telefone. Esse é um caso em que a concentração ocorre apenas no mercado de serviços, mas não necessariamente no mercado de trabalho.

No caso das plataformas, há concentração nas duas pontas. Se regularmos o mercado de trabalho, obrigando as plataformas de transporte urbano a contratarem os motoristas via CLT, esse custo poderá ser repassado facilmente aos usuários. E nem deverá ser uma medida efetiva, pois além de o custo da fiscalização ser exorbitantemente alto, os motoristas poderão continuar a trabalhar como PJs e receber usando as suas MEIs.

É urgente a criação de um novo marco regulatório para o mercado de trabalho brasileiro, que garanta ganhos de eficiência, evite o uso de poder de mercado das firmas no pagamento de salários e não olhe apenas para os contratos via CLT. O trabalho por aplicativo é um exemplo de como nossos instrumentos legais são falhos para lidar com o poder de mercado das firmas sobre trabalhadores e sobre consumidores. Numa economia altamente informal como a nossa e com sindicatos fragilizados, a crença de que resolveremos o problema do trabalho por aplicativo com uma "canetada" que obrigue as empresas a contratar via CLT parece ser mais um subproduto da damarização do debate.

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