Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

A encruzilhada

Escolha entre Trump e Biden é um momento histórico dos grandes

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Dizer que a humanidade chega a uma encruzilhada na próxima terça-feira (3) é um clichê. No entanto, é verdade. Não se devia abusar tanto da ideia de encruzilhada. Quando mais precisamos dela, está gasta.

A palavra é antiga, do século 10, quando se chamava “incruciliata” no baixo-latim da região ocidental da Península Ibérica, dialeto arrevesado que logo se transformaria no galego-português.

A encruzilhada sempre foi espacial e moral. Depois do cruzamento literal, sua primeira acepção no dicionário é a figurada “ponto crítico, em que uma decisão deve ser tomada” (Houaiss).

A associação entre as duas ideias é óbvia, mas vale explicar um traço peculiar da encruzilhada. Embora seja uma cruz, a interseção de duas retas, é comum que ela nos ofereça duas opções de
caminho e não três.

Isso ocorre quando a reta de nosso traçado atual termina na reta em que duas opções se impõem —uma à esquerda, outra à direita. Seguir em frente e simplesmente ignorar a reta que nos interpela não é uma possibilidade. A lógica binária se instala, incontestável.

Os candidatos à Presidência dos EUA Joe Biden (esq.) e Donald Trump - AFP

Eis a encruzilhada em sua plenitude metafórica —a que exige do viajante uma decisão ativa que ele não pode ignorar. E que tem o poder de redefinir seu caráter, dando sentido tanto a seu futuro
quanto a seu passado.

Além dos espaços, os tempos também se encontram na encruzilhada: o passado que nos conduziu a ela, o presente em que uma escolha se impõe, o futuro que essa escolha vai parir (bem como o futuro que ela vai abortar).

Com tanto em jogo, a espiritualidade não poderia ficar de fora da brincadeira. O símbolo do cristianismo é uma cruz. As religiões afro-brasileiras têm a encruzilhada como lugar sagrado, solo de oferendas aos orixás.

Dramático demais? Tudo bem, o gênio humorístico de Woody Allen comparece com aquele alívio cômico que ajuda a desmontar clichês.

“Mais do que em qualquer outro momento da história, a humanidade está numa encruzilhada”, escreve ele. “Um caminho conduz ao desespero e ao mais profundo desalento. O outro, à extinção total. Rezemos para ter a sabedoria de escolher corretamente.”

A piada é boa, mas a encruzilhada em que estamos hoje, quando os eleitores dos EUA decidem entre Donald Trump e Joe Biden, é um daqueles momentos históricos grandiosos em que o desfecho faz toda a diferença.

É até possível —como desconfiam os menos otimistas— que seja tarde demais para deter o processo de colapso ambiental e deterioração político-social em que a humanidade está embicada. Com Trump ou com Biden, alegam, já era.

Não sei. Mas tenho certeza que, ainda que venham tempos bicudíssimos, fará uma diferença avassaladora qual caminho terá escolhido na encruzilhada de 2020 a (ainda) maior potência econômica e militar do planeta.

Se o caminho da misoginia, do machismo, da homofobia, do racismo, da supremacia branca —ou o outro. Se o do obscurantismo, do irracionalismo, da campanha contra a ciência, do negacionismo climático, da mentira —ou o outro.

Se o da paranoia, do culto às armas, do fechamento de fronteiras geográficas, culturais e mentais, do ódio a imigrantes e ao diferente —ou o outro.

Se o da canalhice pura, da cafajestagem, do banditismo, da sociopatia, do narcisismo, da vaidade doentia, do egocentrismo —ou o outro.

Se, para resumir, o de toda espécie de sujeira sebenta na alma, cafonice, tosqueira, desumanidade, trumpice, bozolinice —ou o outro.

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