Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Estamos todos nos fanatizando?

Sabendo que não há santos em campo fica mais fácil fazer e ouvir críticas

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O que separa alguém de convicções firmes de um fanático? A resposta não é fácil e pode mesmo ser impossível, ou antes subjetiva, dependente de crenças tão enraizadas em cada um de nós que mergulham no visceral, no irracional.

Em resumo, fanatismo é a convicção firme dos que discordam de mim, e portanto estão errados; convicção firme é o fanatismo de quem pensa como eu, logo está certo. As palavras não são inocentes.

Mas será só isso? Estaremos condenados a esse estranho oxímoro, o relativismo absoluto, e à morte do diálogo? Ou haverá um modo menos cínico de lidar com visões de mundo divergentes?

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Manifestantes queimam boneco de Jair Bolsonaro em protesto na avenida Paulista, em São Paulo - Eduardo Knapp - 2.out.2021/Folhapress

Em outras palavras, será possível recuperar um solo comum em que adversários negociem, firmem pactos em torno de certos –talvez poucos, mas cruciais– objetivos compartilhados?

A tarefa, que está na essência do jogo político, sempre foi dureza, mas parece se tornar mais espinhosa em nossa época de bolhas de opinião pública entrincheiradas em redes sociais –e atirando sem parar. Será que estamos todos nos fanatizando?

A palavra fanatismo tem duas acepções no Houaiss. A primeira é "zelo religioso obsessivo que pode levar a extremos de intolerância". A segunda, derivada daquela por extensão, "facciosismo partidário; adesão cega a um sistema ou doutrina; dedicação excessiva a alguém ou algo; paixão".

Se este último sentido é o que logo vem à mente em tempos de polarização política, o primeiro, original, nos dá a chave da palavra. Já houve uma época em que todo fanático era religioso.

O termo chegou ao português (em fins do século 18) como versão importada do adjetivo latino derivado de "fanum", lugar sagrado, campo santo. O "fanaticus" tinha conotações positivas a princípio –era o inspirado pela chama divina–, mas não demorou a ganhar acepções como furioso, louco e delirante.

O problema era a chama divina, claro, com sua carga de verdade revelada por uma suposta inteligência superior. Quem acredita ser defensor de algo tão sublime –e não contingente, imperfeito, como são as coisas humanas– não se detém diante de nada. O "fanaticus" é fanático desde o berço.

Se hoje está associada de vez a intolerância e irracionalidade, a palavra tem um filhote moderno que conserva alguma inocência: fã, admirador, é uma redução do inglês "fanatic", que tem a mesma origem. É o fanático benigno. E se conseguíssemos ser mais fãs e menos fanáticos?

O estraga-prazeres que pede calma às facções engalfinhadas apanha de todos, mas o investimento no diálogo parece urgente neste momento em que o Brasil embarca numa campanha eleitoral que promete virar uma pororoca de fanatismos visível do espaço a olho nu.

Não se trata da ideia bocó de conversar com todo mundo, de tudo perdoar. Há posições inegociáveis e adversários irredutíveis –e deve haver. Mas não há santos em campo, e saber fazer e ouvir críticas sem que o passo seguinte seja uma condenação à morte pode ser um bom começo.

Mesmo porque, com os fanatismos em fogo alto, há o risco de que o vencedor da eleição não consiga governar. Será possível baixar a bola? E, caso não seja, o que vai ser de nós?

Minha firme convicção, que alguns chamarão de fanatismo (e tudo bem), é que o governo Bolsonaro conduziu o Brasil a um estado avançado de decomposição –institucional, moral, social, ambiental. O país está cheio de fraturas expostas, morrendo diante de nós. Ou o salvamos daqui a um ano ou esquece.

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