Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Feliz 2023 é simples constatação

Voto de ano novo é uma espécie de Mega-Sena acumulada desde 2019

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"Feliz 2023" é mais do que um voto, expressão clichê com que comunicamos ao outro que lhe desejamos o bem. Esses são os votos de feliz ano novo em geral, mas agora é diferente.

Como uma Mega-Sena acumulada, "feliz 2023" traz em si, em camadas, os votos de felizes 2019, 2020, 2021 e 2022 que ficaram presos na garganta –ou foram proferidos de modo apenas protocolar– enquanto o país era seviciado pelo pior governo da história.

Entra ano bolsonarista, sai ano bolsonarista, lá vinha a consulta à coluna: fazia sentido desejar um ano novo feliz quando sabíamos que ele seria repleto de desgraças, com mais desmatamento e matança impune de pobres, negros e indígenas?

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O presidente Jair Bolsonaro (PL) faz gesto de despedida ao lado do ex-ministro Fernando Azevedo e Silva; Bolsonaro deixa o Executivo no próximo sábado (31) - Pedro Ladeira/Folhapress

Não era um debate vão. Ano novo feliz para quem, se o Congresso a princípio se acovardou e depois foi comprado, topando ser cúmplice do armamentismo miliciano, da erosão da democracia e da fascistização do país?

Minha resposta àquelas consultas angustiadas (ainda não enxergávamos o fim do túnel) era que a fórmula expressava um voto, não um diagnóstico político. Além disso, aplicava-se a outras dimensões da vida –afetiva, profissional etc. Podia ser usada sem contraindicação em qualquer contexto.

Até em meio a um boicote sanitário que matou centenas de milhares de compatriotas e à demolição de um edifício institucional custosamente construído para dar alguma dignidade aos excluídos de um dos países mais injustos do mundo.

Até mesmo, sim, em meio à vandalização da educação, à criminalização da cultura, à volta da fome em larga escala, ao golpismo das Forças Armadas e à onipresente cara cínica de uma autoridade que sabia ser podre até os ossos e alardeava isso com um sorriso perverso, transformando defeito em qualidade aos olhos de multidões.

Agora é diferente. O país conseguiu extirpar pelo voto o tumor que catalisou e potencializou todas as velhas mazelas nacionais. "Feliz 2023" é um grito de alívio, além de uma simples constatação: o Brasil sadio derrotou o Brasil doente.

E como estivemos perto de cair num abismo do qual não haveria volta! O bolsonarismo representou –e ainda representa, mas agora derrotado na maior das batalhas– uma inédita condensação da matéria vil acumulada por séculos no lado escuro, onde o sol não bate, deste país banhado em raios fúlgidos.

Derrotamos os traficantes de escravos, os capitães do mato, os milicos que massacraram Canudos, Venceslau Pietro Pietra, Hermógenes que matou Diadorim, Ustra em seu porão infernal, gerações de tecnocratas covardes que bebem sangue com canudinho sobre planilhas assépticas.

Demos a vitória –por muito pouco, pouco mesmo, mas demos– a Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Capitu, Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Garrincha, Herzog, Macabéa, Marielle. Isso é um motivo de felicidade tão desvairadamente absurdo que ficam desculpadas até as enumerações piegas como esta.

Não, "feliz 2023" não quer dizer que será um ano fácil. Vai ser difícil demais. Os fascistas, agora desmascarados como os terroristas que sempre foram, andam soltos por ruas e gabinetes. Estão grogues da porrada que tomaram no meio do nariz, mas têm armamento pesado e sonham com uma guerra civil.

Derrotá-los de vez vai exigir coragem, determinação e sabedoria, mas já não há desculpa para fingir que não sabemos exatamente quem são e o que desejam. Saio de férias desejando a todos um feliz combo de 2019, 2020, 2021, 2022 –e 2023. Até fevereiro!

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