Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Livro de Caetano Galindo sobrevoa milênios para iluminar nosso português

Nunca uma passagem de ida e volta para a pré-história foi tão acessível

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Está nas livrarias um livrinho de 232 páginas em formato pequeno, 12cm por 18cm, que vale por um monumento. Tem título caetânico, "Latim em Pó", e um subtítulo ameno: "Um passeio pela formação do nosso português" (Companhia das Letras).

Capa do livro 'Latim em Pó', de Caetano Galindo
Capa do livro 'Latim em Pó', de Caetano Galindo - Reprodução

Assina-o outro Caetano, o Galindo, que além de linguista e professor da Universidade Federal do Paraná é um dos principais tradutores brasileiros. O cara responsável por dublar, entre outros, ninguém menos que James Joyce no "Ulysses" mais vendido por aqui.

Dito isso, vamos a um termo que circula no Brasil sem tradução: "disclaimer". Caetano é meu amigo. Tal fato não me levaria a elogiar seu trabalho se este me desagradasse, mas em nosso país cordial não falta quem ache que sim, então fica dito.

Qualquer um tem o direito de ler com um pé atrás o que vem a seguir, mas deve saber que o prejuízo será só seu se abusar do ceticismo. "Latim em Pó" é imperdível para os interessados nos caminhos passados, presentes e futuros da língua que falamos.

Seu gênero é pouco praticado na linguística brasileira: a divulgação científica. Estamos falando de textos que são acessíveis ao leitor leigo, mas têm com a matéria abordada um rigor que nada deve ao dos estudos acadêmicos.

Isso significa dizer que "Latim em Pó" cumpre missão civilizatória –combater os livros menos inteligentes que costumam abastecer o mercado dos curiosos sobre a língua, assinados por recicladores de velhices normativas, patrulheiros, propagadores de lendas etimológicas e sabichões em geral.

Estudos acadêmicos denunciam há décadas o atraso de vida que é essa visão mumificada da língua, segundo a qual o português brasileiro não passa da soma lamentável de nossos "erros". Falta-lhes, porém, a capacidade de se comunicar com um público amplo.

Isso o livro de Caetano tem de sobra, além da verve para traçar o caminho de uma saudação desde "o bom latim clássico (saluare) mastigado pela plebe do Império Romano (salvare), estropiado pelos celtiberos, desentendido pelos germânicos, tingido pelos árabes (salvar), imposto aos indígenas da América (sarvá) e finalmente alterado pelos padrões silábicos dos idiomas de negros africanos: Saravá".

Se toda língua é regida por aquela divindade que Gilberto Gil cantou, "o eterno Deus Mu Dança", o tamanho do mapa esboçado para acompanhar esse tumulto é o mérito mais surpreendente de "Latim em Pó". A história aqui não começa quando Cabral aportou na Bahia. Nem nas brumas da Idade Média ibérica. Nem mesmo no latim. Protoindo-europeu, alguém?

Nunca uma passagem de ida e volta para a pré-história foi tão acessível. É emocionante a generosidade com que o capítulo "O povo dos cavalos" explica em palavras simples o que na linguística ficou conhecido como "metódo histórico-comparativo", capaz de reconstruir a hipótese de idiomas desaparecidos há milhares de anos.

Sim, estamos no terreno lépido do ensaísmo. Escrito com graça como nenhum estudo acadêmico pode ser –nem tenta, pois cada gênero tem suas leis–, "Latim em Pó" sobrevoa milênios em um punhado de páginas para dar conta, às vezes trazendo mais dúvidas instigantes do que certezas, de como chegamos até aqui.

O português falado no Brasil se diferencia profundamente e cada vez mais do europeu. Língua mais africana e indígena do que parecemos dispostos a admitir, ainda não a enxergamos direito quando nos olhamos no espelho. Ler "Latim em Pó" faz bem à vista.

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