Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Portugal

Quem tem medo da nossa língua?

O português brasileiro não tem paz nem em Portugal nem em casa

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"Tenho aversão a ler em brasileiro." O linguista português Marco Neves fala do encontro com a frase, no comentário de um compatriota seu no Facebook, e de sua perplexidade ao perceber que "o autor tinha orgulho no que estava a dizer".

Em "Doze Segredos da Língua Portuguesa", um dos muitos livros —nenhum lançado aqui, infelizmente— em que Neves desenvolve há anos um trabalho notável de divulgação linguística, este é o segredo de número 6: "O português do Brasil não faz mal a ninguém".

"Doze Segredos da Língua Portuguesa", do linguista português Marco Neves - Divulgação

"Imaginem que alguém vinha declarar, orgulhosamente, aversão a ler em inglês, em espanhol, em francês... Todos acharíamos estranho", anota o autor. "Em vez de nos orgulharmos das nossas limitações, que tal tentarmos ultrapassá-las?"

Talvez a formulação abertamente xenofóbica choque um pouco pela crueza, mas o sentimento que ela traduz está longe de ser surpreendente. Trata-se de algo com que todo escritor brasileiro editado em Portugal (tenho três livros lançados lá) já se deparou incontáveis vezes.

A verdade é que o leitor português médio do século 21 tem tanto apreço pela escrita brasileira quanto por injeção na bunda –digamos isso na nossa variante mesmo, por pudor. Entender por que é assim está longe de ser tarefa simples.

O autor de "Doze Segredos..." aponta um fato que certamente deve entrar na equação: uma forte assimetria nas relações entre os dois povos. "Para o bem e para o mal", escreve, "o Brasil é uma das balizas da nossa identidade: pelo medo ou pelo fascínio, está bem presente nas discussões sobre o que é ser português."

Neves acrescenta então algo que parece indiscutível: a recíproca não é verdadeira, sendo Portugal para os brasileiros apenas "uma curiosidade histórica" – e, digo eu, um destino migratório privilegiado, justamente por falar uma língua tão parecida com a nossa.

Conclusão do autor: "Em suma, o que para nós é um foco de tensão identitária, para eles não aquece nem arrefece". Em outras palavras, não fede nem cheira.

Antes que alguém se ofenda com isso, registre-se que a relativa indiferença dos brasileiros é o que os leva a ler autores portugueses sem prevenção, saboreando as diferenças cada vez maiores entre as duas vertentes da língua como se fossem temperos raros e transformando José Saramago, Valter Hugo Mãe e outros em best-sellers.

Para dar mais uma volta nesse parafuso pós-colonial, o escritor português Miguel Real acaba de publicar no "Jornal de Letras" um artigo em que sustenta que "a língua portuguesa encontra hoje na narrativa brasileira o seu ponto ômega, a sua força ficcional, é uma literatura de paixão, que encanta e espanta", enquanto a língua portuguesa europeia estaria "esteticamente emurchecida".

Se Real tem razão ou não, só um longo e franco debate intercontinental poderia apurar. De todo modo, é certo que o leitor ali de cima, com sua orgulhosa "aversão", vai preferir se abster.

Do ponto de vista dos falantes brasileiros, o que acho mais interessante nessa confusão é um detalhe cruel: os preconceitos lusos contra a vertente sul-americana da língua são muito parecidos com os que alimentamos contra nossa própria imagem no espelho.

"Parece ser natural aos portugueses achar que o português verdadeiro é nosso e os brasileiros falam uma língua menor, um português falso", observa Marco Neves. Talvez ficasse surpreso de saber quantos brasileiros cultivam essa mesma ideia torta.

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