Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Natal

Uma coluna em forma de presente

Do elo entre o tempo atual e o regalo ao melhor dos contos de Natal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em busca de um presente de Natal para as leitoras e leitores da coluna, vou em busca do elo entre o presente temporal, o arisco agora com sua mania de virar passado a cada segundo, e o presente oferecido como prenda, quase sempre –embora não obrigatoriamente– embrulhado em papel vistoso.

Sim, trata-se da mesma palavra com acepções diferentes e não de dois vocábulos que calharam de ter grafia idêntica, como a manga da camisa (do latim manica) e o fruto da mangueira (do malaio "manga"). O presente-tempo e o presente-coisa nasceram no latim praesentis, particípio do verbo praeesse, ser ou estar (esse) diante (prae) de nós.

Como escolher presentes
Na origem, presente é algo que existe aqui e agora, oferecido aos sentidos - Unsplash

Na origem, presente é algo que existe aqui e agora, oferecido aos sentidos. Não o que deixou rastros na memória nem o que projetamos no futuro –que também se relaciona com esse, o verbo seminal do ser, do qual futurus é o particípio... futuro, justamente. Aquilo que será. Parece tautologia, mas é só latim.

Certo, mas continua faltando explicar o que o tempo atual tem a ver com o regalo. Reconstituir o passo a passo histórico da expansão de sentidos é uma tarefa ingrata em que a etimologia costuma deixar furos tremendos. A julgar pelas acepções listadas no dicionário Saraiva de latim-português, por exemplo, o segundo sentido ainda não existia no latim clássico.

No entanto, se buscarmos no mesmo dicionário o verbo derivado praesentare —apresentar, introduzir, dar(-se) a ver—, vamos encontrar como acepção figurada um certo "oferecer". O que, convenhamos, dá e sobra para entender por que as línguas neolatinas já tinham consolidado o presente-oferenda na Idade Média —o francês e o espanhol no século 12, o português no 13.

Se isso não amarra os dois sentidos tão bem quanto um laço de presente, foi o que deu para fazer. E agora vamos ao presente propriamente dito, o mimo, o brinde – provavelmente a maior história de Natal da literatura brasileira. Um conto que funde passado, presente e futuro, pois todo mundo que o leu ou lê jamais o esquecerá.

Estou falando de "Natal na Barca", de Lygia Fagundes Telles, um dos contos do seu ótimo livro "Antes do Baile Verde", de 1970 (atualmente em edição da Companhia das Letras). O ideal é lê-lo em livro, claro, mas não é difícil encontrá-lo na internet.

Quando digo que essa história espantosa é "provavelmente" a maior de nossa literatura na subcategoria dos contos natalinos, deixo uma porta aberta para debater com as multidões que defenderão a primazia de "Missa do Galo", de Machado de Assis.

A história do Machadão é obra-prima, sem dúvida, mas eu não a classificaria como "conto de Natal", embora se passe na noite do aniversário de Jesus. Num certo sentido, bem à moda de seu diabólico autor, trata-se mesmo de um conto antinatalino.

Para que uma história seja considerada "de Natal", é preciso que produza em quem lê determinados efeitos de arrepio e inspiração condizentes com a data. Como se sabe, trata-se de um terreno quase inteiramente alagado por sentimentalismo e breguice terminal.

Com apenas seis páginas, a obra-prima de Lygia é nada menos que um milagre. O milagre possível, o milagre dos desencantados, dos descrentes, de todo mundo que já entra numa história desse tipo com um sorriso irônico armado para se defender do kitsch —e, por isso mesmo, não tem como evitar o drible que "Natal na barca" vai lhe aplicar. Nem precisa me agradecer. Feliz Natal!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.